«Você sabe de onde eu venho ?»
     Norte da Itália, 8  de maio de 1945. As boas novas explodem como uma bomba e incendeiam os ânimos,  nos vários alojamentos dos pracinhas brasileiros, dentro do campo de operações:  A guerra acabou! 
     Havia uma semana  que Adolf Hitler morrera e a Alemanha nazista, com sua capacidade ofensiva  minada e sem condições de prosseguir na aventura que, durante cinco anos,  ensanguentou o mundo, assinava o armistício, pondo fim a um conflito do qual,  nos últimos nove meses, o Brasil participara intensamente.
     As lembranças  pesavam e muito. Há exatos 18 dias, nossos pracinhas haviam tomado Montese, um  dos últimos redutos alemães na Itália e essa batalha nos custara 34 mortos, 382  feridos e 10 extraviados, e mais baixas ocorreriam nos dias seguintes, na  operação de rescaldo, quando foram tomados alguns pontos estratégicos à volta  desse sítio. No balanço geral, mais de quinhentos valorosos soldados brasileiros  deixaram suas vidas no campo de batalha na defesa de um mundo livre.
     Depois, em 28 de  abril, o comando brasileiro aceitava a rendição da 148ª Divisão Alemã e o que  ainda restava da Divisão Bersaglieri da Itália. Encurraladas pela fome e sem  perspectiva, elas se entregaram, e a FEB fazia, a um só tempo, quase 20 mil  prisioneiros, incluindo os dois generais que comandavam as divisões.
«Sem  que volte para lá»
     Agora, o pesadelo  havia acabado de vez. Neste momento, o Brasil, embora separado da Itália pelo  imenso oceano, parecia bem mais perto. O que ainda permanecia longo era o tempo.  Os acertos de natureza burocrática, a viagem para Francolise, no Sul do país, em  estradas precárias, e a espera dos navios-transporte que zarpariam de Nápoles,  ainda tomariam pelo menos dois meses, que eram contados segundo a segundo, numa  angústia que parecia nunca cessar.
     Treze de maio. Na  suntuosa Catedral de Alessandria se aglomeram oficiais, praças e soldados.  Divisas à parte, todos se confraternizam em missa cantada solene, para prestar  uma última homenagem aos pracinhas que tombaram em campo de batalha. 
     Após o comovente  sermão do capelão, e ao som do coral italiano, o marechal Mascarenhas de Morais  deposita, em um túmulo simbólico montado junto ao altar, uma coroa de flores,  última homenagem daqueles que se iam, para aqueles que não mais voltariam a ver  a terra natal.
«Nossa  vitória final»
     Nos dias que se  seguiram, oficiais superiores participavam de homenagens e banquetes, enquanto  praças e soldados foram liberados para visitas a cidades vizinhas e, os que  quisessem, poderiam até atravessar a fronteira com a França, não muito  distante.
     Um coronel comenta:  «Já viu quando se soltam cabritos, depois de uma longa prisão? É a mesma coisa.  Passeios, bailes e uma infiltração no meio da italianada.»
     Finalmente, em 6 de  julho de 1945, os primeiros 5.000 soldados deixavam o porto de Nápoles pelo  navio-transporte «General Meiggs». Outras viagens se seguiriam ainda em julho,  utilizando os navios americanos.
     Ao final do mês, os  remanescentes  saiam da Itália pelo vapor D. Pedro I e neste contingente se  achava o cabo de artilharia Carlos Scliar, saudoso da Pátria, deixando para trás  uma porção de amigos italianos, que talvez nunca mais reencontraria e, quem  sabe, alguma paixão recolhida, cortada em seu caminho pela força do  destino.
     Os que chegaram  primeiro cumpriram seu último compromisso oficial. Na tarde de 18 de julho de  1945, os pracinhas brasileiros, com o símbolo da «cobra fumando» estampado nos  uniformes, desfilavam pelas ruas cariocas, acompanhados de um pequeno  contingente de expedicionários americanos que vieram ao Brasil participar da  festa da vitória.
     Depois, a  desmobilização. Fechava-se uma página da vida e abria-se outra, na vida civil,  onde cada um procurava recolher os salvados de incêndio, para recomeçar a vida  no ponto em que ela fora interrompida para atender o chamado da  pátria.
Um  artista precoce
     Carlos Scliar  nasceu em Santa Maria, Rio Grande do Sul, em 1920, e faleceu no Rio de Janeiro  em 28 de abril de 2001.  De espírito incontrolável, bem cedo na vida revelou sua  vocação para a comunicação, o desenho e a pintura. Não tinha mais que 11 anos  quando começou a publicar seus primeiros artigos ilustrados e, aos 14 anos,   recebia do pintor austríaco Gustav Epstein as primeiras aulas de arte.  
     Em 1935, já em  Porto Alegre, após participar da Exposição do Centenário Farroupilha, começou a  sentir o mesmo problema que ocorria em todos os centros artísticos do país, qual  seja, a luta sem fronteiras entre a arte acadêmica, fechada nos cânones do  neoclassicismo e a renovação, que se desenvolvia à margem da Escola de  Belas-Artes.
     Nesse ambiente de  contestação à arte oficial, em 1938 Scliar participou, com João Fahrion, da  fundação da Associação Antônio Francisco Lisboa, da qual foi eleito secretário.  
     Depois, foi a São  Paulo, juntando-se a Rebolo e aos artistas do Grupo Santa Helena, para  participar da exposição da Família Artística Paulista, que era também um  movimento de contestação aos acadêmicos.
Recordações  da FEB
     Animado com o  relativo sucesso obtido pela Família Artística Paulista, em uma mostra realizada  no Rio de Janeiro, Scliar inscreve-se no Salão Nacional de Belas Artes, onde  conquista medalha de prata.
     Mostrando sua  propensão para a gravura e para as artes gráficas, participa da impressão do  álbum «35 Litografias», em associação com Aldo Bonadei, Clóvis Graciano, Lívio  Abramo e mais outros artistas. Não tardaria em publicar seu próprio álbum, a que  deu o título de «Fábulas».
     Em 1943, convocado  para a Força Expedicionária Brasileira, seguiu para o Rio de Janeiro e, nessa  oportunidade, tomou contato com a pintora Maria Helena Vieira da Silva e seu  marido, o pintor Arpad Szenes, que moravam no bairro da Glória e se achavam no  Brasil como refugiados de guerra.
     Em 22 de setembro  de 1944, segue para a Itália com o 2º Escalão da FEB, comandado pelo general  Cordeiro de Farias, e de lá só voltaria, como sabemos, em julho de 1945. Não foi  nenhuma viagem de recreio. Ao retornar, trouxe consigo profundas recordações de  sua passagem pelos campos de batalha. Orgulhoso da FEB, retratou a si mesmo e a  outros companheiros fardados. Observador atento, desenhou casas e imagens do  Norte da Itália, formando a série «Com a FEB na Itália», exibida no Rio de  Janeiro, em São Paulo e Porto Alegre. 
Atividade  incessante
     Em 1947,vai à  Europa, desta vez, em viagem de estudos,   trabalho e manifestações políticas,  percorrendo a França, Itália, Tchecoslováquia, Polônia, Portugal e outros  países, com sua atenção voltada particularmente à gravura e às artes gráficas.  
     De retorno ao  Brasil, inicia uma nova fase de sua carreira, dedicando-se à pintura e à gravura  e participando, como artista, das atividades de imprensa. Em Porto Alegre,  integrou a equipe que formulou a feição gráfica da revista «Horizonte». No Rio e  em São Paulo, participou de outros empreendimentos gráficos, como o lançamento  da revista «Senhor». Depois, alternou sua permanência entre Porto Alegre, Rio de  Janeiro, São Paulo e Ouro Preto.
     Tem participado  constantemente de exposições no Brasil e em todos os centros artísticos  mundiais, registrando sempre absoluto sucesso. Ativista social, engajou-se em  vários movimentos, como o 1º Congresso da Juventude Democrática, na  Tchecoslováquia e em manifestações brasileiras, seja produzindo cartazes, seja  ilustrando livros e revistas.
     Gravurista por  opção, apaixonou-se pela serigrafia, em cuja técnica desenvolveu várias séries.  Aliás, uma das importantes características de Carlos Scliar é a sua capacidade  de inovar, buscando novos materiais que lhe sirvam de base e técnicas as mais  variadas, desde têmpera até o acrílico, passando pelas artes gráficas. Pintou  quadros, mas também fez murais e até ilustrou vários bilhetes da Loteria  Federal, premiados com sua arte.
     Percorrer a obra de  Carlos Scliar é, pois, um saudável e reconfortante passeio pela história da  evolução da pintura em nosso país, sendo um programa obrigatório para quem  pretenda conhecer o desenvolvimento da arte no Brasil. (Texto de Paulo  Victorino).
IMAGENS 
 
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