Hora do Brasil
Anna Bella Geiger, Ivan Serpa, Jorge
Guinle e Raymundo Colares terão sua trajetória retratada nos livros, que contam
também com imagens das obras
Olha que legal! O MAC de Niterói, cujo Diretor é o Guilherme Vergara, vai homenagear quatro importantes artistas brasileiros, com atuações marcantes, principalmente da década de 50 a 80. São eles: Anna Bella Geiger (que continua com forte atuação até os dias de hoje), Ivan Serpa, Jorge Guinle e Raymundo Colares. São os livros "Artistas Brasileiros - Monografias de Bolso", cujo lançamento será, no MAC, no dia 24 de setembro (terça-feira), às 18h. As publicações (uma para cada artista) foram escritas por Guilherme Bueno, Gabriela Motta, Tatiana Martins e Guy Amado. Patrocinados pelo edital de Artes Visuais lançado em agosto de 2011 pela Secretaria de Estado de Cultura, os novos livros da coleção ficarão disponíveis para download no site do museu.
O Museu de Arte Contemporânea de Niterói (Mirante da Boa Viagem s/ número – Niterói), que tem a frente o diretor Guilherme Vergara, dá prosseguimento aos seus projetos culturais de 2013 e lança, em 24 de setembro (terça), às 18h, no Salão Central, a nova edição de Artistas Brasileiros – Monografias de Bolso. Segundo Vergara “É importante continuarmos investindo neste projeto, realizando outras edições”.
“Desde 2000, o MAC publica
pequenos catálogos dedicados às suas exposições. Resolvemos dar continuidade a
esta experiência, criando uma coleção exclusivamente focada nos artistas do
acervo do museu e da coleção de João Satamini”, explica o historiador e crítico
de arte Guilherme Bueno, que coordenou todo o trabalho de pesquisa.
Patrocinados pelo edital de Artes Visuais lançado
em agosto de 2011 pela Secretaria de Estado de Cultura, os novos livros da
coleção destacarão o trabalho de quatro nomes marcantes na cena carioca entre
os anos 50 e 80: Anna Bella Geiger (a única artista viva e que continua com forte
atuação no cenário das artes visuais, realizando exposições no Brasil e no
exterior), Ivan Serpa, Jorge Guinle e Raymundo
Colares. Os volumes foram escritos por Guilherme Bueno, Gabriela Motta, Tatiana
Martins e Guy Amado, respectivamente. “Convidamos novos críticos para escrever
textos inéditos e acrescentar referências para pesquisa. Assim como
rotineiramente o museu apoia o surgimento de novos artistas, acreditamos que
esta iniciativa possa contribuir para o surgimento de uma nova geração de
pensadores”, destaca Bueno.
Até o momento, a coleção já
homenageou mais de uma dezena de artistas, entre eles Antonio Dias, Rubens
Gerchman, Ione Saldanha, Aluísio Carvão, Hermelindo Fiaminghi, Emmanuel Nassar,
Carlos Zilio e Wanda Pimentel. Assim como ocorreu em outras edições, todos os
volumes desta nova safra de livros serão doados a diferentes instituições no
Brasil voltadas para ensino e pesquisa na área de Artes. Além disso, as novas
publicações ficarão disponíveis para download no site do MAC de Niterói, a
exemplo do que foi feito com os livros lançados em 2010. Vale ressaltar que
todo conteúdo dos livros se encontra em português e em inglês, o que reforça o
comprometimento do museu com a difusão da arte brasileira tanto em âmbito
nacional como no exterior.
Um pouco mais sobre os artistas
homenageados
Anna Bella Geiger (por Guilherme Bueno):
A obra de Anna Bella Geiger conta, há
pelo menos três décadas, com o reconhecimento de seu papel imprescindível e,
poderíamos acrescentar, único dentro da arte contemporânea brasileira. A
artista inicia sua trajetória na década de 1950, explorando elementos derivados
do expressionismo e das investidas pós-cubistas, ainda vacilantes entre
figuração e abstração (o que, em certa medida, vinha de sua formação com a
gravadora Fayga Ostrower). A partir dessa fronteira com a abstração, Anna Bella
acentua uma posição independente daqueles três modelos que predominavam no meio
artístico brasileiro então: as frentes antagônicas do concretismo (e, depois,
neoconcretismo) e do informalismo e uma última remanescente da geração
modernista dos anos 1930 e 1940, ainda tributária da Escola de Paris. Este
quadro, mesmo sintético, evidencia, portanto, que sua obra convive, desde o
início, com um cenário no qual o entendimento do que seria arte mostrou-se
instável, em contínua transformação – algo testemunhável desde a emergência da
modernidade.
O caso de Anna Bella, se não é
exclusivo na história da arte brasileira, é indiscutivelmente significativo
para nos atentar para a complexidade de nossa mudança de uma cena moderna para
outra contemporânea fora daquelas frentes tidas como hegemônicas. E, igualmente,
para ampliar o horizonte a partir do qual se traçam os percursos da arte
contemporânea brasileira. Constata-se, em seu trabalho, esta particularidade de
abranger desde as investidas herdadas da primeira metade do século XX, passando
por situações diferentes de pós-modernidade: uma primeira ainda quase
edipianamente vinculada (mesmo que por negação) ao declínio de nossa primeira
leva de arte abstrata, passando por aquela outra na qual a urgência solicita um
comprometimento político e iconoclasta, chegando, se nos é permitido o termo, a
uma contemporaneidade ‘madura’, dito de outra maneira, a um pertencimento
integral e emancipado ao território que identificamos como absolutamente
contemporâneo, não mais indexado a desconstruir os dilemas modernistas.
Ivan Serpa (por Gabriela Motta):
Ivan Serpa (1923-1973) viveu pouco, 50 anos, mas marcou definitivamente
a arte brasileira. Ele não só produziu intensamente durante 25 anos, como
também participou das principais exposições e dos movimentos incontornáveis desse
período. Já na primeira Bienal Internacional de Arte de São Paulo, em 1951,
recebeu o prêmio de Aquisição Jovem
Pintor. Esta não foi a única láurea: Max Bill, o grande vencedor daquela
bienal com a obra ícone Unidade
Tripartida e um dos principais nomes da arte concreta, visitou o atelier de
Serpa em sua passagem pelo país. Nada que tenha impressionado Ivan mais do que
seu contato com os artistas do Engenho de Dentro, grupo de internos do Hospital
Psiquiátrico Pedro II, coordenado pela Dra. Nise da Silveira. É assim, entre as
referências de um suíço e de artistas mais que diletantes, que a obra de Ivan
pede para ser vista. “Eu só posso pintar o que sinto”, dizia o artista, um dos
principais nomes do que se entende por arte concreta. Não há contradição alguma
entre a afirmação de Serpa e toda sua produção plástica. Esta frase, dita por
Ivan quando questionado sobre a iminência figurativa em suas telas, se aplica
ao conjunto de sua obra.
Vera Siqueira afirma, inclusive, que ‘mesmo em sua fase concretista,
Serpa não busca uma estratégia formal única e sim uma simplificação da
linguagem que não lhe retire o sentido de poesia e espontaneidade’. Essa poesia e espontaneidade,
que ele via especialmente na arte de esquizofrênicos e de crianças, é algo
aparente em outra faceta do artista: a do professor. Durante quase duas
décadas, Serpa deu aulas de pintura para crianças e adultos no Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro, ensinando sempre seus alunos a encontrarem suas
próprias respostas. Foi ele inclusive que, em 1951, criou o primeiro curso
livre de arte desse museu, ainda na sede provisória da instituição. A biografia
de Serpa permeia o entendimento da sua obra e é constante a referência de que
Ivan produzia de portas abertas, rádio ligado, filhos passando, esposa, alunos
e amigos circulando pelo seu atelier. Todos esses homens – artista, pai,
professor, esposo, cidadão – estavam atrás das telas e das ideias, infligindo
rigor nas suas obras mais expressivas e sentimento e cadência naquelas mais
estruturadas na forma.
Jorge Guinle (por Tatiana Martins):
Jorge
Guinle Filho escolhe fazer do ato de pintar – em todas suas implicações – sua
vida. Pintor que descobre primeiramente relação íntima e privada com seu ofício
para, em seguida, compreender o pintar numa dimensão pública. No final da
década de 1970, já é visível a via combativa da arte brasileira em consonância
com os ‘anos de chumbo’ vividos em nossa política e sociedade. Em arte,
articula-se alguma multiplicidade, mas oscilando linearmente entre os seguintes
modos: experimentalismo-conceitualismos e as várias inserções das imagens – de
abstratas a índices, de caráter fragmentário a mensagem. Os artistas da década
de 1970 que conseguem pulverizar um circuito fechado, o fazem mediante táticas
de combate. Assim, cabe combinação entre trabalho mental e espontaneidade para
a recondução do objeto artístico, apto então a transitar por outros discursos e
elaborar outros procedimentos. Nos anos 1980, pode-se afiançar pouca mudança em
relação ao circuito artístico brasileiro: os artistas se deparam com sistemas
pouco consolidados. Mas, não há como desconsiderar os indícios da consolidação
do meio artístico ainda que levados por esforços individuais ou instituições
precariamente idealizadas. O experimentalismo dos anos 1970 traz, por um lado,
a diluição da noção tradicional de objeto de arte, por outro, evidencia certo
hermetismo, característico dos traços conceituais das linguagens poéticas. A
produção de Jorge Guinle assume a positividade do encontro (feliz) entre sua
experiência com a pintura e as poéticas que se articulam a partir de um campo
híbrido de arte. Levando-se em consideração, então, a heterogeneidade das
linguagens artísticas – que simula e pratica o retorno à pintura nos anos 1980
–, pergunta- -se pelo lugar da pintura de Jorge Guinle. Na contemporaneidade,
que se esboça entre nós desde o neoconcretismo, a virada para a década de 1980
destaca notas mais pungentes: arte e dimensão pública. E, nesta situação, entre
o forte desejo pela pintura e o trânsito por diferentes circuitos artísticos –
presente desde a infância do artista vivida entre Paris e Nova York – e os
nossos conceitualismo e experimentalismo, Jorge Guinle opta por ser pintor.
Raymundo Colares (por Guy Amado):
A questão
é que, num cenário opressivo como o daqueles tempos, marcado pelos ditames do
regime militar, alusões ao referencial norte-americano – ainda que se tratando
em última análise de uma produção de viés crítico, como era a arte Pop –
despertavam forte resistência no meio artístico e cultural como um todo. É nesse
contexto que Raymundo Colares surge como um discreto bólide no meio artístico
brasileiro, promovendo com sua produção singular um verdadeiro curto-circuito
de influências e filiações estilísticas pouco ortodoxas, aliadas a um apurado
senso compositivo e a uma extrema originalidade. Pode-se dizer que sua fatura
tangenciava a problemática acima comentada, em suas feições pop-construtivas de
inspiração urbana, ritmos dinâmicos e cromatismo industrial intenso. Oriundo da
pequena Montes Claros (MG), instala-se no Rio de Janeiro em 1965, onde vem para
estudar Arte, dando vazão à vocação recém-confirmada, após desistir de cursar
Engenharia Civil. Entre uma passagem pela Escola Nacional de Belas Artes e a
frequência ao prestigiado curso livre de Ivan Serpa no MAM-RJ, faz amizade,
dentre outros, com Antonio Dias e Hélio Oiticica e assimila os encantos – e,
posteriormente, os
desencantos – do mundo de possibilidades oferecido pela metrópole,
destacando-se com rapidez no cenário carioca e nacional. É uma trajetória meteórica:
no curto espaço de quatro anos (1967-1970), o recém-chegado à cidade grande
participa de uma dúzia de exposições, dentre salões e galerias, tendo sua
primeira mostra individual realizada em 1969; ganha ainda diversos prêmios no
mesmo período, sendo os dois últimos4 decisivos para sua opção de viver cerca
de dois anos no exterior (EUA e Itália), em 1971-73. A experiência intensa da
urbanidade, com suas velocidades múltiplas e ritmos visuais próprios, será
decisiva na eleição de seu objeto-chave na atividade pictórica: o ônibus. É a
partir do fascínio que desenvolve pelas carrocerias metálicas prateadas e
coloridas em trânsito, tão presentes em seu cotidiano, que Colares irá estabelecer
aquele que será seu leitmotiv, sua produção mais característica e principal
corpo de obras. Interessa-se obsessivamente pelas possibilidades de
decomposição dos planos que extraía dos motivos nas carrocerias, buscando a
síntese visual de um dinamismo residual ali inevitavelmente contido. O que, em
leitura expandida, poderia ser interpretado como uma pulsão incontida em
apreender e traduzir visualmente as velocidades múltiplas que impulsionam cada
fragmento da própria experiência da vida acelerada na metrópole, fato tão
determinante no percurso poético do artista.
Saiba
mais sobre os autores dos novos livros da coleção:
Guilherme Bueno
Possui graduação em Pintura pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (1998), mestrado em Artes Visuais pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (2001) e doutorado em Artes Visuais pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro (2005). Foi membro da equipe editorial da revista
Arte & Ensaio (UFRJ) e pesquisador da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Tem experiência na área de Artes, com ênfase em História da Arte,
atuando principalmente nos seguintes temas: arte contemporânea no Brasil e no
exterior, história da arte e teorias da arte.
Gabriela Motta
Nasceu
em Pelotas, no Rio Grande do Sul, em 1975. Em 1994, concluiu o curso de
publicidade e propaganda na Universidade do Vale do Rio dos Sinos, na cidade de
São Leopoldo. Em 2004, foi curadora da mostra Contemporão, realizada em Porto Alegre. No
ano de 2005, na mesma cidade, obteve o título de mestre em Artes Visuais na
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em 2006, conquistou o prêmio
Fundo Municipal de Apoio à Produção Artística e Cultural de Porto Alegre. Nesse
mesmo ano, realizou a curadoria das mostras Câmara Rasgada e Conjunto (1) e
(2). Em 2007, publicou o livro Entre Olhares e Leituras: Uma Abordagem
da Bienal do Mercosul, pela Editora Zouk. Vive e trabalha na capital
gaúcha.
Tatiana
da Costa Martins
Doutora
em História Social da Cultura pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro, na linha de pesquisa de História da Arte e Arquitetura (2009), com
especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil (1999) e mestrado em
História Social da Cultura pela mesma instituição (2002). Em 1997, graduou-se
em Museologia pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Tem
experiência na área de história, teoria e crítica da arte, estética e
museologia (patrimônio, conservação e restauração).
Guy
Amado
Doutorando
em Arte Contemporânea pela Universidade de Coimbra, de Portugal. Em 2006,
formou-se mestre em História e Teoria da Arte pela Escola Comunicação e Artes
da Universidade de São Paulo (USP) e, em 1995, graduou-se em Artes Plásticas
pela Fundação Armando Alvares Penteado (Faap). Atua na área de Artes, com
ênfase em crítica de arte. É pesquisador em arte contemporânea e curador
independente.
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