A pintura
geométrica de Rodrigo de Castro é um interessante percurso pessoal: uma
meditação sobre a configuração do mundo. Existe um livro sobre o seu trabalho,
no prelo, com dois ensaios meus. Agora Rodrigo de Castro criou uma série sobre
papel com o rigor formal habitual e aguda sensibilidade. No limite da forma. Ele
andou sobre o fio da navalha: os bons gostam do perigo. É esta série que
ele, a partir de hoje, mostra em Vitória, ES.
Campos de meditação.
Jacob Klintowitz
A
capacidade da pintura de Rodrigo de Castro de criar particulares universos se
renova de maneira permanente. Cada pintura se oferece ao olhar como uma
experiência primeira e única. Deste ponto de vista, a de uma iniciação cíclica,
ela tem a natureza infinita. E, como objeto de atenção, como relação estrutural
contida em si mesmo, é um espaço gerador de pensamento e consciência. Um campo
de meditação. E, no entanto, esta pintura é desprovida de ornamentos, aparenta
ser simples na concepção e no fazer. Isto faz parte de sua inteireza.
É
possível significar, expressar, revelar, criar a mais pura e intensa emoção por
meio de uma estrutura geométrica. E é possível criar um espectro cromático
sinfônico, feito, ora de harmonias, ora de contrastes simultâneos, com cores de
pouca textura e perfeitamente delimitado por linhas retas. É o que reafirma esta
série de pinturas sobre papel de Rodrigo de Castro.
As
cores têm características e personalidades próprias, e servem ao pintor como
delicados sinais de sua sensibilidade, e são por ele obtidas por misturas e
superposições, nas quais os bastões são instrumentos intermediários. Talvez a
dificuldade de obter a tonalidade única e desejada a partir de bastões e a
obrigatória persistência faça parte da introspecção de Rodrigo de Castro. Uma
maneira particular de entrar em contato consigo mesmo. Distrair as mãos para o
pintor costuma abrir outras portas.
A
pintura pode ser, como é o caso de Rodrigo de Castro, um laboratório quase
natural, ou seja, sem o controle cientifico ou de objetividade exacerbada. Esta
naturalidade, esta fluência, é parte do humano. Trata-se de uma intencionalidade
integrada, apenas em parte comandada pelo consciente. O paradoxo consiste em que
essa experiência vital, não racional, nos torna mais consciente. Ver é uma
vivência complexa e completa.
Nesta série, a pintura de Rodrigo de Castro está sempre
em relação. Há uma estrutura geométrica que contém e organiza as cores. Estas
são, na sua maioria, únicas, por inventadas. E dialogam entre si. É o que nos dá
a sensação de que estamos diante de uma oculta pulsação. É porque, na verdade,
estamos diante de uma pulsação cromática, constituída de refrações e emanações.
E as cores obedecem a um princípio ordenador independente da geometria e que é
dado pelo uso delicado dos brancos. É como se ele presidisse a organização do
espaço cromático. Estes brancos, também eles elaborados pelo pintor, têm esta
importância geradora na sua pintura. Sabemos todos que o branco é a cor de
mais difícil uso na pintura, segundo a tradição histórica. Talvez Rodrigo de
Castro, com o seu amor à sutileza e à economia de gestos, colocasse para si
mesmo este desafio maior, uma série de pinturas onde a dominante fosse a cor
branca.
Curioso como esta densidade cromática de pouca textura
nos remete, algumas vezes, para correlações. O céu de Vincent van Gogh, é feito
de texturas e de estrelas. E a cor densa e sem textura em Rodrigo de Castro, com
a sua suave pulsação, semelha um céu de estrelas ocultas. A abstração permite
certas sensações. Malevich, um dos pioneiros da nossa visualidade, fala, ao
comentar o seu próprio trabalho, em sentimento da ausência do objeto.
Não
é incomum associar a abstração geométrica com o universo do delírio e da
supressão da realidade. Seria, então, o discurso da fantasia. Neste caso até
Deus, para os que acreditam, seria um fantasioso, pois os universos conhecidos
são feitos de formas abstratas. Não sei se pinturas de Rodrigo de Castro nos
revelam a realidade. Ou se constroem uma realidade inusitada. O que é exatamente
a mesma coisa. Pois o que pensamos ou nomeamos existe. O que é evidente no
contato com a pintura de Rodrigo de Castro é a sensação enriquecedora da nossa
consciência ao mergulhar na articulação linguística criada pelo artista e
constituída de geometrias, invenções e relações cromáticas, emanações e
pulsações.
Rodrigo de Castro, na organização e suavidade de sua
pintura, é surpreendente. Parece que é impossível fazer algo renovador com
a geometria. Primeiro, ela está em tudo. Não só no universo, mas nos objetos do
cotidiano, nas cidades, e nas ruas, nas revistas, nos livros. E depois, na
própria arte, a geometria como expressão autônoma, tem mais de um século de
intensa tradição. O que era um arcabouço, uma estrutura sobre a qual se
realizava a grande pintura, tornou-se o próprio tema em arte. E esta emergência
nos fez reavaliar a arte de outras civilizações em suas geometrias nas quais
preconceituosamente víamos apenas formas ornamentais. Mais importante ainda é
observar como um artista da geometria, como Rodrigo de Castro, tem uma
individualidade marcante. A geometria na arte não é impessoal, mas formas
complexas e inventivas capazes de nos trazer novos campos de reflexão e prazer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.