domingo, 17 de abril de 2011

Reflexões sobre as tabelas dos artistas


           Venho notando certo mistério envolvendo a divulgação da tabela de preços das obras dos artistas plásticos. Tabelas fechadas a sete chaves...

          Volta e meia, recebo telefonemas, quase sempre de marchands, perguntando pela tabela de preços de artistas, mormente os já consagrados e em atividade, já que as tabelas de preços morrem com os artistas, quando então passam a viger apenas os preços de mercado.

         Quase sempre, não tenho como responder. Acabo dando a minha opinião sobre o preço de mercado do artista questionado. Aí, me vem à memória de que já tinha tentado anteriormente conseguir aquela e outras tabelas de artistas, sem obter êxito. A resposta dos representantes dos artistas invariavelmente é evasiva: que não têm certeza, que a tabela está para mudar, que vão conversar com o artista, que depois me retornam a ligação e nada de a tabela aparecer...

Em nome da transparência

          Fica aqui o protesto: é um verdadeiro absurdo os artistas – ou seus representantes – sonegarem aos profissionais de mercado a tabela de suas obras. Se não querem vender para quem está perguntando, tudo bem, esse é um direito que lhes assiste, mas é um contrassenso sonegar a tabela ao mercado. 

          Essa recusa, além de prejudicar a necessária transparência do mercado de arte, dá margem a inúmeros equívocos, acabando por prejudicar o mercado do próprio artista. Nessa circunstância, o raciocínio dos marchands fica apenas atrelado aos registros de mercado, aqueles praticados nos leilões de arte. Como se sabe, tais registros oscilam conforme a economia, a época e a qualidade dos trabalhos vendidos nos leilões, que nem sempre não são aqueles que os artistas gostariam de ver em pregão. 

          No Manual do Mercado de Arte, a respeito, escrevi: 

          "A tabela de preços para venda ao consumidor final (aquela sugerida pelo artista para a venda dos trabalhos nas galerias e que o mercado costuma chamar de tabela final do artista) e o preço de mercado (aquele que resulta da análise profissional, portanto subjetiva, de um somatório de valores que em geral se cristaliza nos leilões de arte) não são, necessariamente, a mesma coisa. O ideal é quando o artista consegue igualar tais preços, e muito melhor quando consegue a façanha de ter preços de mercado sempre superiores à sua tabela. A filosofia deste manual me impede de citar exemplos."

          Outra informação que tem que ser disponibilizada aos marchands, juntamente com a tabela, é qual o percentual de desconto que os marchands e galeristas recebem no ateliê do artista. Segundo a praxe, os profissionais de mercado recebem no ateliê um desconto percentual sobre os preços da tabela, que varia de ateliê para ateliê. Os descontos internacionalmente consagrados são de 50%, quando o trabalho é efetivamente comprado pelos mencionados profissionais e de 33% em caso de consignação. Contudo, isso não é rígido e cabem contratações, conforme as circunstâncias e benefícios indiretos que a obra do artista possa receber.

Por que será?

          Será que as tabelas desses artistas estão com valores muito superiores aos preços praticados pelo mercado? Será por isso que não fornecem a tabela? São perguntas que ficam no ar, sem encontrar respostas.

           Transcrevo outro trecho do MMA: 

          "A única fórmula correta de se montar uma tabela é tornar os seus valores sempre acessíveis ao mercado, fazendo com que as obras sempre sejam procuradas pelo mercado e, assim, que tenham absoluta liquidez. Mas como se conseguirá isso? A estratégia é a seguinte: inicialmente se estabelece o nível de preços, um pouco abaixo do que seria a média das tabelas dos artistas do mesmo patamar de mercado; em paralelo a esta primeira tabela, promove-se uma filosofia correta de distribuição, tornando a obtenção dos trabalhos mais difícil, deixando claro que o preço é acessível, mas os trabalhos não. Esta deverá sempre ser a tônica da relação tabela–obra de arte. À medida que a procura aumenta, a tabela vai aumentando muito lentamente, acompanhando a demanda. É preciso ter só um cuidado: não aumentar demais. Tabela de preços não anda para trás. Portanto, muito cuidado ao fazer aumentos. Artista que reduz preço de tabela cai fatalmente no descrédito".

Prática reprovável

          Outra prática, esta absolutamente reprovável, é a de alguns artistas usarem várias tabelas, com preços diferentes, dependendo da cidade ou do galerista. Essa prática é perigosa e costuma gerar confusões desagradáveis que levam o artista a perder a credibilidade junto ao público. A tabela, além de acessível, tem que ser única em todo o país e, quando for o caso, no exterior.

Quem avisa amigo é

          Outra coisa que se pede, por ser de bom alvitre, é que os artistas não coloquem obras no mercado com uma multiplicidade exagerada de técnicas, diferenciando-as pelos preços na tabela, praticamente fazendo com que cada obra tenha um preço. Quando isso ocorre, aparecem as inevitáveis incoerências entre os preços das obras, entre outros absurdos, verdadeiros corpos estranhos ao mercado de arte, fazendo uma enorme confusão – mormente, em confronto com a tabela de preços das chamadas obras originais. Estou me referindo àquelas obras em que o artista lança mão de técnicas, quase sempre mistas, que, atipicamente, recebem "rótulos particulares": (sic) "desenho a óleo sobre tela"; "serigrafia sobre tela, encorpada com acrílico"; "técnica mista sobre tela, predominando o óleo" e vai por aí... 

          Como se sabe, o preço de uma obra de arte não é determinado pela quantidade de tinta que o artista coloca sobre a tela, nem tampouco pelo tempo que levou para pintá-la. Se alguma coisa tem de ser mensurada é a qualidade da obra e a frequência de sua demanda.

          Com essa filosofia heterodoxa, os artistas objetivam tornar de seus trabalhos mais acessíveis. Tudo bem, mas há casos de obras visualmente iguais que têm preços nitidamente diferenciados. Exemplificando: na tabela, uma obra original, peça única, custa R$ 25 mil e uma "serigrafia sobre tela, encorpada com acrílico", daquele original, sabidamente uma peça múltipla, custa R$ 5 mil reais. Se os marchands não entendem o porquê – muitas vezes nem sabem diferenciá-las e nem tampouco sabem explicar isso aos seus clientes –, o que dizer dos não iniciados em mercado? O mercado não perdoa e, quase sempre, esta confusão acaba por nivelar tudo por baixo, ou seja, o preço de referência mais importante acaba sendo o de valor mais baixo.

Livre criatividade e a rigidez do mercado

          Ninguém está querendo tolher a criatividade de ninguém. O que se propõe é que seja mantida a nomenclatura tradicional determinada pelo mercado. Daqui a pouco, vai ter artista cobrando pelo trabalho conforme o número de elementos técnicos e rotulando-o a seu bel-prazer.
          É um procedimento perfeito informar no corpo da pintura ou no reverso da tela que se se trata de um esboço, um estudo ou um improviso. Contudo, esses trabalhos vão continuar a ser designados conforme suas técnicas, a saber: óleo sobre madeira, acrílica sobre tela, óleo sobre cartão, técnica mista, desenho, aquarela, guache etc.

          Pode-se cotar diferentemente na tabela um determinado tema, quando ele é muito mais procurado pelo público em relação aos demais temas pintados pelo artista. Por quê? Porque é necessário proteger esses temas da repetição sugerida pelo público, evitando que os artistas os pintem à exaustão... Mas, como foi dito acima, a sua nomenclatura continuará a mesma.

Mais um complicador: giclée
Para complicar mais um pouco a vida dos marchands está chegando aos poucos ao mercado um processo de impressão de imagens de obras de arte sobre a tradicional tela, muito comum nos Estados Unidos, onde é chamado de giclée on canvas. Trata-se de impressão de alta resolução e fidelidade. A palavra francesa ‘giclée’, usada nos USA para designar o processo, traduzida para o português significa esguicho. Já ‘on canvas’, do inglês, significa ‘sobre tela’. Então, giclée on canvas quer dizer esguicho sobre tela ou jato de tinta sobre tela. A superimpressora trabalha com jato de tinta e não com impressão por contato, como se faz tradicionalmente no offset. Quando o produto chegar de vez ao mercado brasileiro, decerto, deverá ser chamado de giclée sobre tela ou simplesmente giclée. O que se definir aqui, propositalmente, é superficial, já que as definições se destinam ao entendimento de leigos. Quem quiser se aprofundar sobre a giclée, aconselho textos mais técnicos que podem ser encontrados na internet.
Veja como o processo é realizado: depois que a imagem original – a que se quer reproduzir – é copiada em um scanner especial, capaz de copiar pinturas de quaisquer dimensões, a imagem é ajustada e corrigida em computadores no que concerne às cores. Após, a imagem vai para um supercomputador que comandará a impressão sobre a tradicional tela (também pode ser impresso sobre suportes de papel) por uma superimpressora industrial de jato de tinta, diferenciada das demais que conhecemos no nosso cotidiano. A reprodução é perfeita e se aproxima muito do original. Um desavisado não tem como distinguir uma giclée on canvas de uma obra original. É aí que mora o perigo... 
A giclée on canvas deve e tem que ser vendida bem mais em conta do que uma obra original, já que se trata de uma impressão que, quase sempre, objetiva produzir muitos exemplares. Nesse caso, o artista deve tomar algumas providências: 1 - que ele controle com rigor a quantidade de cópias; 2 - que as numere e assine; 3 - que seja colocado no reverso, claramente, que se trata de uma impressão sobre tela. Se isso não for feito, se o trabalho cair em mãos inescrupulosas, os incautos poderão ser enganados. Há que se terem os olhos bem abertos.

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