domingo, 15 de maio de 2011

Gastando o meu Latim



Dinheiro bem
aproveitado

     Malgrado, às vezes, a sensação de estarmos jogando grana no ralo, o dinheiro mais bem gasto é aquele que investimos na qualidade do ensino dos nossos filhos. A sensação de estarmos prodigalizando o vil metal se deve à displicência com que nossos filhos – como nós no passado –, via de regra, encaram tais oportunidades. O importante é que alguma coisa fica
.
     Neste momento, me lembro das expressões de puro luxo verbal, que aprendi nas aulas de Latim: "conditiones sine quibus non", "Curricula vitae", "Personae non gratae" e "Campi universitários".

     Está estranhando, acha que aí tem coisa errada?

Ensino de
alto nível

     Estudei em bons colégios, entre eles, no Colégio Marista São José, na Usina da Tijuca, Rio de Janeiro, na época em regime de internato, de segunda ao sábado. Fiquei lá por quatro anos, de 1956 a 1959.

     Embora o bom mesmo fosse ir para casa nos sábados à tarde, no fundo, estamos aqui falando de um hotel cinco estrelas. O São José tinha piscina de água corrente, quadras múltiplas para esportes, três campos de futebol, sendo um gramado e com arquibancada, um cinema para mais de 300 pessoas e uma capela – por que não chamá-la de igreja? – com a mesma capacidade. Tudo coisa muito rara nos estabelecimentos de ensino, no final dos anos 1950.

     A comida era muito boa. Às quartas-feiras, além de uma sessão de cinema, tínhamos no jantar frango assado – regado a refrigerante –, comida de domingo e de gente rica naquela época, quando se ouvia: pobre só come galinha, quando um dos dois está doente.

     Havia três divisões de alunos, conforme a faixa etária: menores, médios e maiores. Os refeitórios, dormitórios, salas de estudos, pátios de recreio, esporte, lazer, na missa de todos os dias e no cinema de quarta-feira os alunos eram separados por divisões.

     Lá, tínhamos filhos de gente famosa: grandes empresários, profissionais liberais e políticos de todo o país. Na época, o Distrito Federal era aqui no Rio de Janeiro, o Executivo, com todos os seus Ministérios, demais escalões e o Legislativo, o Congresso Nacional. O Judiciário, representado pela magnitude do Supremo, também estava aqui.

     Contava-se até com alunos que eram membros da Família Imperial. Lá estudavam dois príncipes, um deles, Dom Pedro Carlos de Orleans e Bragança que foi meu colega na divisão dos médios, por uns três anos; outro, também chamado Pedro, era da divisão dos menores. Meus pais – hoje sei – se privaram de muitas coisas, para conseguirem pagar as caríssimas mensalidades. Filho só dá valor depois...


Aulas de
Latim


     Mas o mote desta crônica é a importância do ensino de uma língua morta chamada Latim, que hoje, infelizmente, aulas não se têm mais. Ele é a base de todas as línguas chamadas latinas: Espanhol, Italiano, Francês, Romeno e o nosso Português. O Latim se faz presente, também, em outras línguas, como o Alemão e o Inglês. Quem quiser conhecer profundamente os sobreditos idiomas, decerto, terá se aprofundar no Latim.

     Darei apenas dois exemplos: as palavras postergar e vestíbulo são Latim puro.


Postergare (de post, depois + tergu, dorso, costas) quer dizer deixar atrás, lançar para trás, preterir, desprezar.


Vestibulu quer dizer pátio de entrada, espaço entre a porta de um edifício e a principal escadaria interior, átrio. Daí, exame vestibular.

     Você nem imagina quantas palavras fala em Latim...


Tupi or not
Tupi?

     O mesmo ocorre com o Tupi – falo do Português falado no Brasil. Vejam os exemplos: Tijuca, Maracanã, Jacarepaguá, Pará, Paraná, Ceará, Piauí, Itaú, Anhangabaú, Pirapora, Araraquara, Itapetininga, potiguar, pipoca, tapa, tapioca, carioca, guaraná, mandioca e Ipanema – a palavra da língua portuguesa mais falada no mundo – e um amontoado de palavras que chegaram até à língua portuguesa e ficaram. É por isso que defendo a tese que, no ensino fundamental, deveríamos estudar o Latim e o Tupi.


Voltando
ao Latim

     Tínhamos aula de Latim diariamente. Além disso, começávamos o expediente escolar, diariamente, assistindo à missa rezada integralmente em Latim.

     Quando algum aluno cometia qualquer deslize, o castigo era copiar ou, de dicionário na mão, fazer tradução de textos clássicos latinos. Provavelmente por isso, naquela época, tinha certa má-vontade com o idioma. Mas os irmãos maristas, grandes mestres, sabiam que alguma coisa iria ficar.


De fato, alguma
coisa ficou

     Se hoje não sou mais experto em Latim é porque não dei continuidade aos estudos do idioma. Porém alguma coisa de fato ficou.


Cultura inútil?

     De jeito nenhum! Realmente, até nos meios jurídicos, o Latim está em desuso: dizem que fica pedante usá-lo nas petições. Também acho, mas por um motivo diferente. As novas gerações, logo após a minha, deixaram de estudar Latim. Aí, é lógico que, como ninguém entende, fica pedante.

     Mas há algumas expressões latinas, que se incorporaram definitivamente ao nosso cotidiano. Ao citá-las, aproveito para explicar aquelas expressões lá do início do texto, que ninguém tem obrigação de conhecer. Lá, estão os plurais das conhecidas expressões latinas:

Campus universitário
Campi universitários



Conditio sine qua non
conditiones sine quibus non
 


Curriculum vitae
Curricula vitae





Persona non grata
Personae non gratae



     E não me façam outras perguntas a respeito, porque o meu voo em Latim aterrissa por aqui...






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