segunda-feira, 23 de maio de 2011

Trens, bondes e mineiros





Os mineiros sabem das coisas... Volta e meia, ouve-se alguém zombando dos mineiros, só porque eles usam a palavra ‘trem’ como sinônimo de bagagem, de objetos diversos. No passado, diziam que os mineiros vinham para o Rio de Janeiro para comprar bonde. Pura lenda, a realidade é bem diferente.

     Movido pela curiosidade, resolvi consultar um dicionário brasileiro da língua portuguesa, nomeadamente o ‘Aurélio’, e outro, de Portugal, o ‘Dicionário Priberam da Língua Portuguesa’, e vejam o resultado:

O que diz o Aurélio

     Segundo o Dicionário Aurélio, trem quer dizer:

1. Conjunto de objetos que formam a bagagem de um viajante.
2. Comitiva, séquito.
3. Mobiliário de uma casa.
4. Conjunto de objetos apropriados para certos serviços.
5. Carruagem.
6. Vestuário, traje.
7. Na Marinha de Guerra Brasileira, grupamento de navios auxiliares destinados aos serviços (reparos, abastecimentos, etc.) de uma esquadra.
8. Comboio ferroviário; trem de ferro (brasileirismo).
9. Bateria de cozinha (brasileirismo).
10. Em Minas Gerais, na linguagem popular, qualquer objeto ou coisa; coisa, negócio, treco, troço (brasileirismo).
11. Em Minas Gerais, indivíduo sem préstimo, ou de mau caráter; traste (brasileirismo).
12. Em Minas Gerais, na linguagem popular, diz-se de pessoa ou coisa ruim, ordinária, imprestável; trenheiro (brasileirismo). 

      E vai por aí. Não deixe de conferir no seu dicionário, posto que as definições não estejam transcritas ipsis litteris.

E lá, em Portugal?

     O Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, editado em Portugal, nos dá as seguintes definições da palavra ‘trem’: 

1. Bagagem e criados ou comitiva que alguém leva em viagem.
2. Fig. Modo de se apresentar.
3. Vestuário.
4. Veículo de tracção animal = carruagem, sege.
5. Conjunto dos utensílios de cozinha.
6. Conjunto dos móveis e arranjos de uma casa.
7. Conjunto de aparelhos ou utensílios destinados a certo fim.
8. Bras. O mesmo que comboio.
9. Bras. Infrm. Qualquer objecto!, coisa, bagagem, etc.
10. Bras. Infrm. Pessoa ou coisa com qualidades negativas.
adj. 2 gén. 2 núm.
11. Bras. Infrm. Que tem pouco valor ou utilidade. = inútil

     Veja que a primeira acepção da palavra nos dois dicionários se refere à bagagem, assim como a oitava acepção, também em ambos, fala de comboio e como sendo um brasileirismo. Daí, concluímos que os mineiros têm razão: na bagagem de um viajante tem de tudo, então, esse tudo é composto de vários trens. Quando ele usa ‘trens’ como sinônimo de ‘objetos’, em se considerando o vernáculo, os mineiros estão certíssimos.

     Segundo nos conta a sabedoria popular, o comboio ferroviário recebeu, no Brasil, o nome de trem, justamente porque o comboio ferroviário transportava os trens, as bagagens das pessoas. Elas diziam: ‘vou esperar os meus trens’, no que acabou em ‘vou esperar o trem, e assim o comboio virou trem.

A história do bonde

     Outra maldade, decerto, é dizer que os mineiros vinham antigamente ao Rio de Janeiro para comprar bondes. É verdade, os mineiros compravam bondes. Eles e todas as demais pessoas compravam bondes, inclusive os cariocas... Trato disso mais adiante.

     Na verdade, o bonde deveria ser chamado também por aqui de ‘carro elétrico’ ou ‘elétrico’. Aliás, como é chamado em Portugal, país que inventou a língua...

     Como se sabe, nos Estados Unidos da América, entre outros significados, ‘bond’ é o título de dívida emitido por uma empresa criando obrigações de fazer alguma coisa ou pagar certa quantia. Outra definição é: título da dívida pública, pagável ao portador. Contudo, a palavra inglesa ‘bond’ tem vários significados: laço, vínculo, elo, obrigação moral, ligadura, amarra, contrato, acordo, título, apólice, debênture, obrigação, bônus, entre outros. 

     Por isso, há quem diga que o nosso bonde é originário da forma de financiamento do empreendimento, ‘bonds’ – obrigações –, já que todo empreendimento, à época, era precedido de uma chamada de capital no mercado aberto, para custear a implantação do sistema, e os empreendedores emitiram os seus ‘bonds’ no lançamento dos carros elétricos, em questão. 

     Outros explicam que, quando os carros elétricos apareceram em Nova York, em não havendo moedas disponíveis para que os passageiros pudessem pagar pelo transporte ou receber o troco em espécie, tiveram a ideia de emitir ‘bonds’ – bônus – e vendê-los aos usuários do serviço, nos moldes dos bilhetes múltiplos que são atualmente vendidos pelo Metrô, resolvendo-se, também dessa forma, o problema do troco. 

      Assim, esse bilhete (em inglês, ticket), passagem ou ‘passe’ chegou ao Brasil com o nome de ‘bond’ e seu significado, logo depois, foi estendido ao próprio veículo, que monopolizou a denominação.

     Se você tem como me provar qual das duas teses é a correta, entre em contato comigo.

     Destarte, de uma forma ou de outra, não só os mineiros, mas todos os mortais compravam os seus bondes que, depois que o nome se popularizou como sendo o veículo, passaram a serem chamados de passes, passagens, tickets ou bilhetes. 

     Daí à piada – ou a alguma tentativa de se enganar um incauto qualquer – foi um pulo. Pura lenda! E os mineiros acabaram pagando o pato... 

     Concluí-se, então, que o povo mineiro conhece muito bem o vernáculo e, como vimos, não é trouxa, como quer a lenda. Contudo, é humilde, já que aceita passivamente as gozações, mesmo sabendo que está pleno de razão.

      Para seu governo, o autor desta crônica é carioca. 




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