Ele foi o cronista da cidade maravilhosa, entre os melhores que existiram em sua época, só que, no lugar da pena, usou o pincel; em vez de escrivaninha, serviu-se do cavalete; e desprezando recintos fechados, saiu em busca de sua amada, desnudando-a em suas telas, como ninguém o faria melhor.
O resultado foi um registro, quase que jornalístico, da época em que viveu, fixando para a posteridade a vida do Rio de Janeiro em seus aspectos mais comuns: os automóveis com seus motores infernais; os tilburís fazendo o serviço de táxi; senhoras robustas em carruagens, contrastando com a gente humilde que circulava, a pé, pelas calçadas; os bondes, ainda com tração animal, o porto, os parques, as fazendas, as favelas... Nada ficou sem registro, nenhum detalhe deixou de ser mencionado.
Pois Gustavo Dall'Ara, o apaixonado do Rio, não era brasileiro. Nasceu em Veneza, ao nordeste da Itália, em 1865, e chegou ao Brasil com 25 anos de idade, portando uma bagagem profissional respeitável, tendo já um emprego de ilustrador, oferecido pelo periódico "Vida Fluminense", e alimentando uma esperança: curar-se da epilepsia, um mal que o atormentava e que, na época, era mais grave, por não se ter conhecimento, nem da doença, nem do remédio, cuja prescrição médica era mais freqüentemente a mudança de ares.
Se o Rio de Janeiro não lhe frustrou as expectativas, a recíproca também é verdadeira. O retorno de sua gratidão se deu com aquilo que sabia fazer: pintou, pintou sem cessar, transferindo para suas telas a alma carioca e as belezas naturais da Guanabara.
Não foi inteiramente compreendido na época em que viveu. O escritor Laudelino Freire, seu contemporâneo, lhe faz uma breve referência:
«Tem como especialidade a paisagem animada. A sua predileção é pintar ruas, lugares, cantos e arrabaldes da cidade do Rio de Janeiro. E, por isso, é conhecido como o pintor da cidade.»
Todavia, é de seu colega de profissão, Virgílio Maurício, também contemporâneo, a crítica mais cruel, numa ironia que avança até o sarcasmo:
«Não foi artista e sim fotógrafo. Chegou a um grau acima do Sr. Batista da Costa - pois que nos seus trabalhos as folhas das árvores poderiam ser contadas! Temos a impressão, diante de suas telas, que o artista pintava sobre calque fotográfico, tal a irritante minúcia de suas paisagens, mortas e imóveis.»
Como acontece freqüentemente na arte, o futuro encarregou-se de colocar os fatos em seus lugares devidos. Não era um gênio, dentre os grandes nomes da pintura brasileira, mas era um grande pintor e cumpriu a missão a que se propôs: deixou para a posteridade um registro histórico do período compreendido entre 1880 - data de sua chegada ao Brasil - até 1923, quando saiu do mundo dos mortais para iniciar, por certo com o mesmo afã, o registro das paisagens e da vida nas plagas celestiais. (Texto de Paulo Victorino) VEJA IMAGENS
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