quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Manoel Santiago (1897-1987) - Mestre daqueles que viriam a ser grandes nomes da pintura brasileira

A bela e misteriosa selva
     Estamos no ano de 1896, fim de século. Bem distante da capital federal, um outro núcleo, igualmente importante, vive um estado de efervescência econômica, política e cultural. É a misteriosa cidade de Manaus, mergulhada na selva amazônica, sem estradas ou qualquer meio de comunicação que não sejam os seus rios, mas, neste momento, tão cortejada quando o Rio de Janeiro.
     O ambiente continua selvagem. Não é preciso afastar-se muito da cidade para dar de encontro com aldeias de índios vivendo em seu estado primitivo; bastavam alguns quilômetros de espaço para retroceder pelo menos um milhar de anos na civilização.
     E as amazonas ? Ah, as amazonas! Aquela sociedade de mulheres selvagens, as primeiras feministas que o mundo já conheceu, que mantinham-se afastadas do mundo masculino, que cortavam um dos seios para entesar melhor o arco, disparando a flecha certeira que atingia a presa e garantia sua alimentação, ou que mantinha o inimigo distante da aldeia.
     Teriam existido, de verdade, as amazonas ? Pelo menos naquela época, havia quem acreditasse nisso. E, em meio às conversas, sempre aparecia um paranóico a garantir que já vira alguma delas.

Presente e futuro na
capital amazonense
     Pois Manaus, mergulhada na selva e em sua mitologia, vivia, no final do século, a euforia trazida pelo milagre da selva: para os cientistas, a «hevea brasiliensis»; para nós outros, simplesmente a «seringueira», guardada por uma eternidade na imensidão da selva e agora cobiçada pelo mundo inteiro, matéria prima essencial para a produção de pneus, procurada desesperadamente pela recém criada indústria de automóveis.
     Era uma dádiva que parecia nunca acabar. Bastava abrir trilhas pela mata para encontrar a árvore milagrosa da borracha. A terra, nada representava, economicamente. O que tinha valor comercial, realmente, eram as trilhas que conduziam de uma seringueira a outra. Cada trilha tinha seu proprietário e a propriedade da trilha era respeitada religiosamente. E pobre de quem se atrevesse a invadir trilha alheia, para tirar a seiva de uma árvore que não lhe pertencia!
     Pois nesse final de século, dois importantes eventos para o futuro da arte se registrariam em Manaus: Em 1896 ocorre a inauguração do esplendoroso Teatro Amazonas,  uma salada russa de estilos e decoração, mas também um monumento à riqueza do Estado. Era a demonstração de poder dos recém estabelecidos empresários, os novos ricos.
     No ano seguinte, outro acontecimento de importância para a arte, mas naturalmente despercebido: em 25 de março de 1897, nasce Manoel Santiago, criatura simples, herdeiro de nada, nem de trilhas nem de árvores, mas possuidor de um dom inato, que o colocaria entre os mestres da pintura brasileira.

Uma figura marcante
     O teatro, tornou-se um símbolo do passado, de uma riqueza efêmera; Santiago simbolizou o futuro, senão em sua própria e suficiente arte, ao menos pela influência que exerceu em outros grandes artistas brasileiros do Século 20, tendo orientado os primeiros e decisivos passos de José Pancetti  (1902-1958), Ado Malagoli (1906-1994) e Milton Dacosta (1915-1988), além de muitos outros.
     Manoel Santiago não aprendeu, propriamente, pintura ou desenho; a arte nasceu com ele, era parte integrante de seu ser e ele mesmo, não tem certeza sobre quando começou a rabiscar figuras humanas: «Tinha seis anos quando pintei um retrato a carvão de meus avós, sendo este, que eu me lembre, o primeiro trabalho meu.»
     Com tendência inata para o desenho e a pintura, tudo que teve de estudar, para melhor desenvolvimento, foi a técnica da arte pictórica, o que transformou-se, para ele, em uma faca de dois gumes: de um lado, o estudo moldou-lhe a personalidade, sujeitando-o a uma rigorosa autodisciplina, criando nele um zelo todo especial com os detalhes, uma luta incessante na busca da perfeição; de outro, manteve-o atrelado aos ensinamentos da Escola Nacional de Belas Artes, onde foi aluno e, mais tarde, professor. Não conseguiu soltar-se, sendo sua pintura, quase toda ela, uma repetição monótona de estilo, conquanto muito bem elaborada.

Sob a luz dos refletores
     É possível que, se tivesse permanecido em Manaus, terminaria sua vida como um obscuro artista. Todavia, contingências da economia levaram seus pais, poucos anos após, a mudarem-se para Belém, Estado do Pará e, de lá, para a cidade do Rio de Janeiro, onde Santiago completou seus estudos básicos e entrou para a Faculdade de Direito.
     Paralelamente aos estudos regulares de direito, ingressou na Escola Nacional de Belas-Artes como aluno livre, sem matricular-se, pela impossibilidade de comparecer regularmente às aulas.
     O Rio de Janeiro era, como é até hoje, a caixa de repercussão das artes, e a presença de Santiago nessa cidade foi importante para ter seu talento notado e incentivado. Ganhando, no Salão Nacional de Belas-Artes, um prêmio de viagem à Europa, passou quatro anos em París, entre 1928 e 1932, com lucro dobrado: ao mesmo tempo em que estudava com renomados professores franceses, firmou amizade com um grupo de pintores brasileiros também de passagem pela Europa, dentre eles, Portinari e Di Cabalcanti.
     Mas foi mesmo no Brasil que veio a conhecer um pintor que o marcaria de maneira indelével: era o professor italiano Eliseu D'Angelo Visconti  (1866-1944), cujo ateliê passou a freqüentar, e cuja influência carregou pelo resto da vida, considerando-o o «artista que continuo a acatar como legítimo mestre».

Vencendo a força da inércia
     Voltando da Europa, em 1932, tomou contato com o Núcleo Bernardelli, formado por um punhado de iniciantes desorientados, entre eles, Edson Mota (o organizador do grupo), José Pancetti, Bustamante Sá, José Pancetti, Milton Dacosta e Ado Malagoli.
     Embora fazendo duras críticas à pintura desses moços, sentiu-se atraído pelo interesse demonstrado por todos eles e dispôs-se ajudá-los, o que o fez muito bem, pois muitos, dentre esses novos discípulos, conseguiram escalar a trilha da fama, tendo seus nomes registrados na história da pintura no Brasil.
     Participou, ainda, sem cessar, de várias exposições, no Brasil e no Exterior, destacando-se as do Salão Paulista de Belas-Artes, onde foi várias vezes premiado; do Salão de Rosario, na Argentina; do 4º Centenário de Santiago do Chile; do Salão de Belas-Artes comemorativo do 4º Centenário do Rio de Janeiro (medalha de honra) e muitas outras.
     Deixando à parte a grande obra que realizou como pintor, sua  importância maior foi a formação dessa nova geração de pintores que conseguiram igualar-se, quando não, até superar o próprio mestre.
      Sua esposa, Haydéa Santiago (1896-1980), também era pintora. Manoel Santiago veio a falecer no Rio de Janeiro em 1987 e, nesse mesmo ano, uma galeria de arte no Rio de Janeiro realizou uma exposição de quadros do casal.
(Texto de Paulo Victorino)
IMAGENS

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