Pierrô apaixonado
«Um pierrô apaixonado,/que vivia só cantando,/por causa de uma colombina,/acabou chorando, acabou chorando.»
Exemplo de síntese e simplicidade, esta marchinha foi uma das muitas composições de Heitor dos Prazeres, parceiro de Noel Rosa e de outros vultos da música popular de sua época.
Músico, tocava cavaquinho, tendo publicado um método para aprendizado desse instrumento; sambista por vocação, seu nome esteve ligado a várias escolas de samba do Rio de Janeiro, tendo sido um dos fundadores da «Mangueira».
Da favela à cadeia
Heitor dos Prazeres nasceu no Rio de Janeiro em 1898 e faleceu na mesma cidade em 1966. Menino do morro, filho de operário, sua vida seguiu a rotina de qualquer criança favelada. Ora trabalhava no ofício de seu pai, que era marceneiro, hora vadiava nas ruas do centro, entre a praça Onze e o Mangue, região da mais refinada malandragem.
Não é, pois de se estranhar que, já aos treze anos, fazia sua estreia nos registros policiais, ficando preso por dois meses na Colônia Correcional de Ilha Grande, sob a acusação de vadiagem, o que na época era tipificado como contravenção penal.
Pandeiro e Cavalete
A música foi a primeira paixão de sua vida, aprendendo, desde cedo, a tocar clarinete e, depois, cavaquinho. O samba e a marchinha surgiram em seguida, consequência do ambiente em que vivia e das rodas que freqüentava, fonte de aprendizado e de inspiração. Depois veio o casamento, que não durou tanto, pois sua esposa faleceu quando ele tinha apenas 39 anos de idade.
Foi então que, para preencher o vazio de sua vida, Heitor dos Prazeres começou a pintar aquarelas, ao sabor do vento, sem técnicas especiais; depois, passou para a pintura a óleo e aí, sim, foi, aos poucos, aperfeiçoando seu estilo próprio, até chegar às imagens claras e brilhantes que conhecemos hoje, com personagens em contínuo movimento e irradiando o calor humano.
Uma festa sem fim
Era o cotidiano do morro que ganhava espaço e expressão em suas telas: as favelas, as mulatas, as brigas, as rodas de samba, tudo contado com extrema simplicidade, retratando as cenas mais comuns da vida do Rio de Janeiro, naquilo que a cidade tem de mais popular e autêntico.
Nada de tristeza. Registrando o trabalho, o lazer e mesmo as desinteligências entre as pessoas, tudo é uma festa continuada, uma manifestação de apego à vida, de aproveitamento total de cada momento, como se fosse o único.
A imaginação é o que conta
Dotado de memória fotográfica, não precisava estar diante do objeto para retratá-lo. Simplesmente ia passando para a tela tudo aquilo eu um dia vira e que ficara gravado em sua mente.
Dono de uma imaginação extraordinária, não precisava mesmo ter visto nada. Diante de um quadro qualquer de Heitor sobre o homem do campo e a atividade rural, poucos acreditariam que ele nunca havia estado lá, vivendo o cotidiano do sertão, ou convivendo com o caboclo, apenas imaginou o que seria o dia-a-dia na zona rural.
O encontro com a fama
Heitor dos Prazeres alcançou em vida a consagração que muitos artistas só encontraram após a morte. Realizou exposições individuais em vários Estados, participou de coletivas, marcou presença nas bienais de São Paulo em 1951, 1953 e 1961.
Seus quadros estiveram em exposições internacionais e chamaram a atenção pela ingenuidade com que foram abordados os acontecimentos mais triviais da vida carioca. Dizem que até a rainha da Inglaterra se impressionou com eles e mandou que fosse adquirida uma obra para sua coleção.
Certo, mesmo, é que Heitor dos Prazeres ganhou efetiva ressonância no exterior e, para isso concorreu, com certeza, a honestidade com que reproduziu a gente simples do Brasil, sem enfeites, sem rebuscamentos, sem complicações. A obra de Heitor é o retrato, sem retoques, de uma cidade, o Rio de Janeiro, e de um povo, o povo brasileiro. (Texto de Paulo Victorino)
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