segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Manabu Mabe (1924-1997) - O samurai da pintura

A decisão
     «Vamos passar fome, mas não sei fazer outra coisa. Vou pintar até morrer.» Esta decisão, Manabu Mabe comunicou à sua mulher, Ioshino, logo após a realização de sua primeira individual, na cidade de Lins, Estado de São Paulo, em 1951.
     Mabe chegara ao Brasil com 10 anos de idade, acompanhado do pai, da mãe e de mais sete irmãos, fixando-se todos na cidade de Lins, como colonos, trabalhando na lavoura do café.
     Assim que pode, a família mudou-se para o Jabaquara, bairro ao sul de São Paulo, que,  com Vila Mariana, Paraíso e Liberdade, abrigava a colônia japonesa na capital paulista.
     Em São Paulo, arrumou emprego em uma lavanderia e tinturaria, onde, a meio a seus afazeres habituais, também tingia também gravatas, que levava para casa, pintava, e depois vendia a lojas da cidade.
     Paralelamente, prosseguia em suas experiências com pintura, iniciadas ainda quando trabalhava na lavoura. Embora autodidata, jamais dispensava a orientação de outros artistas mais experientes, cujos ensinamentos, entretanto, não absorvia, mas assimilava, fazendo deles uma leitura própria e aplicando-os segundo seu próprio instinto.
A consagração
     De volta a Lins nesse ano de 1951, para mostrar seus progressos na arte, foi recebido com grande carinho pela população, que o considerava «da terra», como se lá houvesse nascido.
     O Clube Linense cedeu-lhe o espaço para a realização da mostra. A população acorreu para vê-la. O orgulho com que os linenses o receberam, o entusiasmo da colônia japonesa da cidade pelo seu trabalho, o levaram a decidir: abandonaria tudo o mais, para dedicar-se à pintura.
    Não era sua primeira aparição pública. No ano anterior, inscrevera alguns trabalhos no Salão da Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Lá, era apenas um dentre muitos pintores, alguns dos quais já consagrados. Aqui, na cidade de Lins, era um destaque, o sucesso no meio de seus patrícios, enfim, a consagração.
     Abandonou tudo para dedicar-se à pintura, mas não passou fome. Passou muitas dificuldades, isto sim, mas, ao fim da carreira, era um dos poucos artistas que podia se dar ao luxo de manter um ateliê em São Paulo, outro em Nova York e um terceiro em Tóquio, revezando-se entre os três e participando de exposições em importantes mostras de todo o mundo.
 Os primeiros tempos
     Manabu Mabe nasceu em Kumamoto Ken (Japão) em 1924 e faleceu em São Paulo (Capital) em 1997. Veio para o Brasil em 1934, acompanhado da família e, após uma pequena estada em Birigui, interior do Estado, todos se fixaram na cidade de Lins, trabalhando como agricultores.
     Sua aproximação com a arte se deu de forma natural, primeiro copiando desenhos de revistas, depois pintando paisagens e naturezas mortas.
     O fato de estar em uma cidade pequena, distante da capital e de outros grandes centros e, mais ainda, com a agravante de viver na zona rural, cerceou-lhe qualquer possibilidade de desenvolvimento na arte, seja adquirindo conhecimentos técnicos indispensáveis mesmo ao autodidata, seja encontrando mercado para sua produção, indispensável para quem pretenda viver dela.
     Essa situação só viria alterar-se após sua mudança para São Paulo, onde, embora vivendo como operário, encontrava a possibilidade de uma comunicação com quem faz arte e com quem procura por ela.
A arte na colônia
     Na Vila Mariana, bem próximo do Jabaquara, onde morava Mabe, ficava a molduraria de Tikashi Fukushima (1920), que ele conhecera, de passagem, ainda na cidade de Lins.
     Ao dia, a loja de Fukushima funcionava na confecção de molduras. À noite, ocorria uma metamorfose. Cavaletes eram instalados e entusiasmados jovens nipônicos ali se encontravam para discutir arte, fazer arte e trocar experiências.
     Outras manifestações culturais se realizavam no bairro que, embora com bolsões de pobreza, abrigava a classe média da cidade, aqueles que ainda não tinham status e suficiência econômica para se fixar nos Jardins (a área nobre), mas tinham renda bastante para para residir em núcleos aprazíveis, misto de casas residenciais e lojas comerciais.
     Assim, os horizontes se abriram para ele e para outros da colônia, em busca de oportunidades para expor seus trabalhos e fazer-se reconhecidos no mundo da arte.
Uma atração irresistível pelo abstrato
     Todos sabem da paciência, da disciplina, e da profundidade filosófica em que se desenvolve toda a educação oriental, a começar de sua escrita, um exercício difícil no aprendizado de caracteres e ideogramas que representa, cada um deles, um trabalho bem acabado de caligrafia.
     Numa tradição que vem de milhares de anos, sua formação volta-se para o interior do ser humano de forma, a mais profunda, num misto de religião e filosofia, aprendendo-se a contemplar cada detalhe da natureza, e a reverenciá-la como a geradora da vida.
     Em sua atividade de pintor, Manabu Mabe não agia como um técnico, mas antes de tudo, como um animal. Não se guiava pelas regras conscientes, mas pelo instinto. Não analisava, apenas dava largas à sua intuição, deixando que esta fluísse normalmente e este é o ponto em que se distinguia dos demais.
     Influenciado por sua educação oriental e agindo instintivamente, não é de surpreender que, aos poucos, fosse ele deixando a pintura figurativa, para se aproximar mais e mais de códigos e sinais, até mergulhar no mais profundo do abstrato. Mesmo em algumas recaídas, quando voltava-se acidentalmente para o figurativismo, este era apenas insinuado, por entre as marcas do abstracionismo,  a cujo estilo permaneceu fiel até a morte.
     Gostava de pintar quadros grandes, não se apegava a miniaturas. Seu quadro «Abstracionismo», acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, possui 181 x 201 cm; a maioria de suas telas têm medidas acima de um metro. Apreciava, pois, espalhar suas ideias em espaços amplos, onde pudesse colocar detalhes importantes, ainda que um olhar comum e menos preparado identificasse ali apenas a monotonia dos elementos.
Bilhete premiado
     O propósito de Mabe, de entregar sua vida à pintura, independentemente das consequências que isso pudesse acarretar, seria um bilhete de loteria ou uma visão transcendental de seu próprio futuro? Ninguém o saberá.
     Se foi um bilhete de loteria, saiu premiado. Após sua histórica decisão, não houve um evento importante de que não participasse e, a partir de então, passou a colecionar prêmios no Brasil e em todo o mundo.
     Em 1959, a 5ª Bienal de São Paulo deu-lhe o prêmio de Melhor Pintor Nacional e, no mesmo ano, num raro acontecimento para brasileiros, ganhou o Prêmio de Pintura na 1ª Bienal de Paris. Seus quadros foram expostos em Buenos Aires, Cidade do México, Kumamoto, Kamamura, Lima, Londres, Miami, Montevidéu, Nova York, Osaka, Paris, Roma e Washington, para citar apenas algumas cidades.
     Sua morte, aos 73 anos de idade, veio interromper uma carreira que ainda se encontrava plena de vitalidade, embora seu trabalho  se fixasse a um    estilo definitivo que não mais abandonaria. (Texto de Paulo Victorino) 
IMAGENS

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