terça-feira, 1 de março de 2011

Antônio Dias (1944) - "Pintar me chateia. Só pinto por necessidade de dizer."

A arte da contestação

«Hoje, trabalho de vez em quando. Não me interessa o ato de pintar em si. Pintar me chateia. Só pinto por necessidade de dizer. Considero a pintura uma profissão. Mas se quiserem afirmar a pintura como um trabalho diário, então não sou profissional.»

Essa declaração, partindo de um dedicado e consagrado artista, pode soar até como uma heresia. Quem a fez, foi Antônio Dias, por ocasião de mostra realizada em Belo Horizonte (MG), em 1966.

Desânimo ou desilusão com as artes plásticas? Negação do trabalho realizado? Nada disso. Apenas um sentimento característico dos pintores de vanguarda, em que o presente é apenas uma plataforma para alterar o futuro, traindo a necessidade interior de mutação constante. O mais importante não é o que se fez, mas é ainda aquilo que não foi realizado e que há de ser, inevitavelmente, a ruptura com o presente.

A busca do inatingível e o eterno inconformismo, unidos ao talento e profissionalismo, é que fizeram deste pintor uma das figuras mais importantes da pintura contemporânea, com obras figurando em museus de todo o mundo.

O despertar de um artista

Antônio Dias nasceu em Campina Grande (PB) em 1944. As circunstâncias da vida nordestina, rigorosa e incerta, fizeram dele e de sua família um grupo de nômades, pois os primeiros anos de sua vida se passaram vagando de uma cidade para outra, no sertão alagoano, na orla marítima e também nos Estados de Alagoas e Pernambuco.

Aprendeu os primeiros traços de desenho com seu avô e, criança ainda, conseguiu dar sentido prático à arte, para ganhar uns trocados, chegando a desenhar rótulos para bebidas.

Aos 14 anos, transferiu-se para o Rio de Janeiro,buscando internação numa escola de ensino elementar e já no ano seguinte arrumou seu primeiro serviço como desenhista, ao mesmo tempo em que participava do Ateliê Livre de Gravura da Escola Nacional de Belas Artes.

Em 1962, participava de sua primeira exposição no Salão Nacional de Arte Moderna, ainda com trabalhos bem comportados, seguindo fielmente as tendências do modernismo na época. Não duraria muito tempo essa submissão.

Nasce um rebelde

As portas lhe foram abertas por inteiro ao participar do 20º Salão Paranaense de Artes Plásticas, em que não só foi contemplado com a medalha de ouro, como com o prêmio de aquisição de desenho. Assim, a honraria veio acompanhada de dinheiro que chegou em boa hora.

Mas o mais importante mesmo, foi o contato com a juventude: «Larguei tudo e parti para conhecer gente de minha idade. Até então, eu só havia andado com gente mais velha do que eu – era um contido.»

A geração de jovens dos anos sessenta era privilegiada por viver momentos significativos da vida nacional, mas, ao mesmo tempo, tinha de viver momentos de perplexidade entre os ideais que levava consigo e os conceitos impostos como o politicamente correto.

Tal dualidade de pensamentos atingiu em cheio o artista, que começou a pintar o homem em raio-x: eram vísceras, o ser humano ferido, a contradição entre a justiça e a força, levando suas ferramentas de trabalho a um engajamento político total.

Essa visão política da arte vem acompanhando-o através dos tempos: «Sentia-me preso e descobri, de repente, que milhares de jovens lutavam para a libertação, lutavam por fazer alguma coisa que fosse resultante de suas ideias e de suas relações com o mundo.»

Pelos caminhos da vida

Sem o desejar, e sem que isso estivesse planejado, Antônio Dias tornou-se um lider e um parâmetro aos jovens artistas de seu tempo. Mas a situação política brasileira vinha, ano a ano, tornando-se mais tensa e, em 1967, mudou-se para Paris, onde estivera pela primeira vez, dois anos atrás, participando de exposição.

Politicamente, Paris não vivia, também, tempos de paz e tranquilidade. Após uma série de conflitos estudantis, mantidos sob controle, estourou a revolta maior dos estudantes, no Quartier Latin, que durou várias semanas e chegou a por em xeque a 5ª República francesa.

O pintor mudou-se, então para a Itália, montando seu ateliê em Milão, onde residiu por vinte anos. Finalmente, em 1988, transferiu-se para Colônia, na Alemanha, onde reside até hoje.

Antônio Dias foi um dos raros artistas de vanguarda que, praticando uma arte de contestação, se arriscou em firmar âncoras na Europa, e se deu bem com isso.

Pintura sem limites

A arte de Antônio Dias é um desafio permanente ao convencional. Seus quadros não obedecem às regras elementares das duas dimensões. Em alguns deles figuram como medidas a altura, o comprimento e também a profundidade.

Na maioria das obras, o artista apela para a tridimensionalidade, usando gesso, colagem e todos os recursos ao alcance das mãos. A técnica mista – uma expressão generalizada que por si não significa nada – em suas mãos, ganha uma diversidade que chega ao paroxismo: relevo em massa, colagem sobre tecido, óxido de ferro, grafite, pigmentos de toda natureza, que se misturam e se combinam. O importante é jamais ser igual, o essencial é mudar a todo instante.

A experiência é a sua própria alma: participou de filmes, gravou disco, foi à Índia, ao Tibet e ao Nepal para aprender coisas diferentes, como a produção de papel artesanal ou a preparação de pigmentos através de vegetais. Mergulhou, enfim, em procedimentos milenares escondidos no mais profundo dos mistérios da Ásia.

Tudo isso valeu-lhe o reconhecimento mundial, com o nome mencionado e as obras incluídas no acervo dos principais museus de arte contemporânea no mundo. Em Colônia, Alemanha, ele reside com sua esposa, a cantora lírica ítalo-brasileira Lica Secato.

Se toda sua obra não fosse o bastante, Antônio Dias tem importância na arte contemporânea por haver participado e, involuntariamente, liderado uma revolução nas artes plásticas, invertendo a rotação da terra e sacudindo, como um terremoto, os valores tradicionalmente aceitos. (Texto de Paulo Victorino)

Imagens:
http://www.bolsadearte.com/cotacoes/dias_antonio.htm

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