sábado, 5 de março de 2011

Arte, luminosidade e escolas de samba

Paulo Victorino (Pitoresco)

      Qualquer pessoa que tenha conhecimento de arte, mesmo que elementar, conhece a  influência da luminosidade do ambiente na execução da obra. Alterando-se a condição da luz, altera-se tudo o mais. Os impressionistas, sobretudo, levavam o conceito de luminosidade ao paroxismo. Se, no decorrer da pintura, a luz se alterava, o trabalho era interrompido para reinício no dia seguinte, ou quando a luz ambiente voltasse a apresentar as características requeridas.
     Não só os impressionistas prestavam atenção a esse detalhe. Vermeer, o segundo pintor holandês mais importante do Século 17, superado apenas por Reembrandt, tinha um cuidado extremo com os efeitos de luz e sombra. Não por acaso, as poucas obras de sua lavra que conhecemos são altamente valorizadas e, dentre elas, sem dúvida, a mulher de turbante, ou “Moça com brinco de pérola”.
     No filme de ficção sobre o tema, em determinado ponto, a patroa reprende a empregada por não ter limpado os vidros da janela e esta, filha de um pintor de azulejos, se explica: “Foi para não alterar as condições de luz do estúdio.”
Mais adiante, posando para Vermeer, a moça se recusa a por o brinco de pérola de sua patroa, se desculpando por não ter a orelha furada e sugerindo ao pintor que apenas imaginasse o brinco, recebendo dele a resposta: “E como é que vou imaginar as variações de luz se a pérola não estiver na orelha?”
     Todas essas observações vem a propósito do desempenho da Escola de Samba da Vai-Vai na primeira noite de desfiles no Sambódromo de São Paulo, em justa homenagem ao compositor João Carlos Martins. Durante um ano, a escola se preparou para atravessar a passarela nas últimas horas da madrugada, sob a luz dos refletores. Cada detalhe, das alegorias até as fantasias, foi planejado em função da luz noturna, sob o reflexo da iluminação artificial.
     Aconteceu então um atraso de quase três horas no desenrolar dos desfiles, por problemas com as escolas que a antecederam e a Vai Vai entrou na avenida às 6 horas da manhã, com luz do dia, anulando tudo o que foi planejado para causar o efeito de luminosidade no desfile. Todos os detalhes se perderam, todo esforço foi para a lata do lixo e o seu samba foi para o lugar comum dos desfiles feitos à luz do dia.
      Há vários anos, ocorreu um problema semelhante com outra escola, que deveria desfilar ao fim da madrugada e decidiu colocar uma das passistas completamente nua, disfarçada apenas pela iluminação da noite. Só que um atraso de programação  empurrou parte do desfile para o dia e o que seria uma manifestação artística acabou por ser interpretada como provocação indecorosa, trazendo problemas inimagináveis para a escola.
      São percalços que dá para eliminar se houver maior planejamento. O que não dá é prejudicar o desempenho de três mil pessoas na pista tão somente por descumprimento dos horários na organização dos desfiles. Se as escolas não podem estourar o tempo, o organizadores também não deveriam fazê-lo, sob pena de comprometer todo o conjunto de um exaustivo trabalho de preparação e desenvolvimento do desfile. Se há regulamento, ele deve valer para todos, inclusive para os organizadores.

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