João Carlos Lopes dos Santos
Esta é a oportunidade que tenho de responder a todos uma questão que sempre me é colocada individualmente por pessoas que pretendem se iniciar na profissão de marchand.
Para a prática de tal atividade, não há exigências legais específicas ou de formação profissional. Para se tornar ou se arvorar em marchand, basta abrir uma galeria de arte ou - se conseguir - sair comprando, consignando e vendendo obras de arte.
Ser marchand, evidentemente, não só é isso. Há outras atribuições além da indicada, qual seja a de vender. Deve ele ser um agente, um promotor do mercado, na acepção mais ampla dessas palavras, e, principalmente, precisa estar preparado para o exercício da profissão. Embora não haja maior exigência formal, sem alguns dos pré-requisitos, que abaixo discrimino, acho muito improvável que a empreitada venha a ser coroada de êxito.
A formação profissional
É uma profissão atípica, uma atividade mista, que envolve comércio e prestação de serviço, e que, ainda hoje, não tem qualquer tipo de formação acadêmica específica. Com efeito, não se tem notícia sobre cursos intensivos ou algo parecido para capacitar profissionalmente os que se interessam pelo ramo.
É verdade que são ministrados cursos de história da arte - dirigidos aos interessados em artes plásticas de uma forma geral. Tais cursos, por certo, ajudam muito, mas não são específicos para formação de marchands.
Da mesma forma, como no caso do mercado de arte em geral, também não há qualquer tipo de regulamentação profissional, sindicato, associação ou entidades afins, em todo o território nacional, que congregue os profissionais do ramo.
A motivação para o ramo
De onde surgem esses profissionais? Há no mercado marchands oriundos de vários segmentos, com formações as mais variadas, como engenheiros, médicos, advogados e militares reformados, entre outros tantos. Uma parte deles divide o tempo entre as duas atividades; outra, abandonou de vez a ocupação anterior, por força de aposentadoria ou por simples opção.
Não há uma lógica própria na motivação para esse trabalho. Há pessoas que vem do ramo de ciências humanas – o que se entende compatível – e há outras oriundas de ciências exatas, o que é mais difícil de explicar. O professor de química Nagib Francisco, hoje aposentado, me disse que foi para o mercado de arte levado por seus estudos sobre a química das tintas. Uma coisa é certa: mercado de arte é como um vício: uma vez em contato com ele - ou inoculado o vírus -, fica muito difícil largá-lo.
São elementos básicos para o sucesso: vivência no mercado de arte; sensibilidade, conhecimento de arte e cultura eclética; bom relacionamento com o mercado de uma forma geral; bom relacionamento social; relativa capacidade financeira; e conhecimento de propaganda e marketing.
E mais: é importante ter em conta que a profissão não é burocrática, nem tranqüila e rentável como podem pensar alguns.
Passo-a-passo, um longo caminho
Se você pretende se iniciar na profissão de marchand, procure aprender de maneira certa, começando pelo mais fácil e evoluindo gradativamente para o que é mais difícil. Não queime nenhuma etapa, pois ela fatalmente vai lhe fazer falta mais adiante. Antes de tudo, estude os fundamentos da profissão e avalie se você se enquadra na maioria dos pré-requisitos acima.
Caso o resultado da avaliação for positivo, vá à luta. Tenho testemunhado que a grande maioria dos que tentam ser marchand não dão tempo ao aprendizado da profissão - só disponível na diuturna e prolongada vivência - e acabam se dando mal.
Por exemplo, tentam se pôr a negociar, logo de início, obras raras e de alto valor, tais como as de Tarsila do Amaral, Portinari, Di Cavalcanti, Lasar Segall, Ismael Neri, ou quadros do século dezenove para trás. E aí, o que seria uma profissão, vira uma loteria.
Junte-se sempre aos iguais
Aqui fica, pois, meu alerta: quem está começando, não tem a menor possibilidade de atuar nesse nível de mercado, pois lhe falta conhecimento de causa. Nunca é demais repetir: normalmente, o artista novo deve fazer parceria com o marchand novo, que, por sua vez, tem por clientes novos colecionadores. Neste segmento, todos estão se iniciando na atividade; todos estão no mesmo patamar.
Também no mercado de arte, insistimos, as coisas acontecem como em qualquer outra carreira: é muito difícil fazer incursões em patamares superiores, pulando degraus ou queimando etapas.
É um curso, e cada experiência junta-se à experiência seguinte numa seqüência lógica, numa amarração perfeita. Um nó mal feito, e todo conjunto, mais dia, menos dia, se desmoronará. Portanto, trabalhe corretamente e dê tempo ao tempo. Quando você menos esperar, vai se surpreender com o patamar que estará ocupando.
É como acontece na vida, uma geração vai tomando o lugar da outra. O importante é se preparar para assumir a responsabilidade dos patamares superiores.
O valor inestimável da reputação
Obviamente, em tudo que foi dito, estão implícitos os valores pessoais básicos que todo profissional deve ter em qualquer ramo: honestidade, ética e caráter. E esses valores são mais importantes para o marchand pelo fato de se tratar de uma profissão atípica, não regulamentada, sem um órgão direto que a fiscalize.
Sem um controle externo, a tentação de seguir caminhos tortuosos é maior e o profissional precisa ter dentro de si uma estrutura sólida para não destruir sua reputação, prejudicar o mercado e queimar de vez todas as chances de sucesso. Um nome vale bem mais do que uma boa conta bancária, é um valor inestimável, que fala bem alto na hora de se fechar qualquer negócio.
Agora, o meu depoimento pessoal sobre esta atividade: se não estivesse no mercado de arte, dele tirando meu sustento, pagaria para estar em contato com ele.
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