Descobrindo o paraíso
Frequento a Barra da Tijuca, que me lembre, desde o início da década de 50. Vínhamos no reluzente Packard 1949, verde musgo, de banda branca e farolete manual lateral, que mais tarde, já sem o farolete, meu pai mandou pintar, saia e blusa, moda no início dos anos 1960, de caramelo com teto creme. De fato, era um carro muito doce...
O objetivo era o banho de mar dominical da família. Depois, almoçávamos no Bar Âncora, lá na Praia do Recreio dos Bandeirantes. Da Barra ao Recreio, tomava-se uma estrada estreita cheia de buracos que ladeava a praia, hoje Avenida Lúcio Costa, mais conhecida pelo nome anterior: Sernambetiba. Não sei bem se era uma estrada estreita asfaltada com incontáveis buracos ou se era uma estrada de terra com pedaços de asfalto... Meu pai, cauteloso com a suspensão do seu Packard, por ela transitava bem devagar.
Assim, a "viagem" até o Recreio me parecia eterna. De um lado, a praia, do outro, um imenso areal com uma vegetação rasteira e a então límpida e intocada laguna de Marapendi e seu canal.
Mais tarde, de 1964 a 1970, a minha vida noturna, e de quem tivesse automóvel, era na Barra da Tijuca. Pontos de referência, entre outros, eram as boates Comodoro e Flamingo, no Jardim Oceânico, em frente ao mar, assim como na Barrinha, o Bar do Oswaldo e a ‘Rua dos Motéis’ – que, até hoje, tem esse apelido...
De repente, fui chegando
Conheci Nova Ipanema em 1975, por puro acaso. Um belo dia, passei e vi que estavam urbanizando um loteamento em frente ao Carrefour. Era um areal cortado por três ruas paralelas e uma central que dividia o loteamento ao meio, todas já asfaltadas, como hoje. Era só. Nada havia, além disso. Nessa altura, os oito edifícios já deviam estar nas fundações. Entrei na primeira rua à direita, sem saber que estava passando em frente à minha futura residência.
Em 1977, vim à Barra da Tijuca com o objetivo de ver um apartamento para comprar, num empreendimento que, segundo informações, ficava próximo ao Carrefour. Foi essa a segunda vez que estive em Nova Ipanema. Nessa altura, os edifícios já estavam praticamente prontos. Entrei em todos eles e acabei fechando negócio com o ap. 604 do Edifício Henri Laurens.
Lançando as âncoras
Mudei para Nova Ipanema em 12/6/1978. À época, tínhamos paisagens bem diferentes das que vemos hoje. Não que o visual fosse inferior, as belezas é que eram diferentes. Antes, era agreste, bucólico, natural. Agora, tem um visual cosmopolita, moderno, sem deixar de estar integrado, na maioria das vezes, à natureza.
Quem conheceu a Barra como era, mesmo preferindo o antigo bucolismo, tem que concordar que as inevitáveis edificações, na sua maioria, se integraram corretamente ao meio ambiente e, de certo modo, até o melhoraram.
No início da década de 1980, o visual ainda era extremamente branco, o sol se refletia no areal e irradiava, no verão, um calor duplicado, só minimizado pela brisa do mar. A vegetação ainda era rala e rasteira. No entorno do então solitário ‘Condomínio Nova Ipanema’ só havia o Carrefour, com edificações que correspondiam a 10% do que se vê hoje. Outras edificações só eram encontradas no Centro da Barra, ou seja, no Jardim Oceânico, alguns prédios bem espaçados na Avenida das Américas e Avenida Sernambetiba hoje, Avenida do Pepê, perto do quebra-mar, e o restante, a partir da Av. Olegário Maciel, hoje, com o nome de Av. Lúcio Costa. Do outro lado, na Barrinha, antigas residências, o ‘Bar do Oswaldo’, pequeno comércio e vários motéis.
A saga dos pioneiros
Por toda a Barra, proliferavam os mosquitos que atormentavam o nosso sono e agressivas moscas selvagens, que vinham das cocheiras do Clube Marapendi, que nos atacavam à luz do dia. Era tudo muito bom, mas como na vida não há melado sem moscas, neste caso, literal e literariamente falando, elas estavam lá também presentes. Além disso, faltava energia elétrica todos os dias e por várias horas. As revendas de apartamentos em Nova Ipanema – o primeiro condomínio fechado da Barra da Tijuca – eram muito comuns nos primeiros anos, havendo uma tendência de se valorizar os apartamentos dos andares médios, digamos do sexto ao nono, pois, abaixo, os mosquitos e as tais moscas selvagens atacavam, acima, ninguém mais aguentava subir escadas, pela falta de energia elétrica...
Assim, era compreensível que, nas assembleias dos condomínios dos edifícios, existissem dois grupos: de um lado, aqueles que pleiteavam a compra de geradores de energia elétrica para manter os elevadores sempre funcionando e, do outro, aqueles que exigiam contratação do ‘fumacê’ (caminhão pulverizador de inseticida), para todos os fins de tarde.
Em compensação, havia um silêncio gostoso, aquele quando só se ouve a natureza. Os pioneiros da Barra vieram para cá fugindo da barulhenta cidade do Rio de Janeiro dos anos 1970.
Havia nessa época uma febre da construção civil na ‘Cidade Maravilhosa’. O resultado era um barulho infernal: de dia os bate-estacas, que arrebentavam os nossos nervos e, quando escurecia, entrando pela madrugada, os marteletes pneumáticos noctívagos – para não atrapalhar o trânsito durante o dia – perfuravam as ruas e os nossos tímpanos, não deixando ninguém dormir.
Ainda assim, valia a pena
Voltando à Barra da Tijuca, além do silêncio, as montanhas, as diversas lagunas e o marzão eram vistos impolutos e sem jaça.
Por falar nas lagunas, nos finais das tardes de verão, elas ficavam prateadas de tainhas. Até o início dos anos 1980 havia enormes cardumes de tainhas pulando e saltando na Laguna de Marapendi. Durante a trajetória da balsa de Nova Ipanema, da marina até a praia, tainhas caíam dentro da balsa. Nesses momentos, meus filhos e outras crianças ficavam à espreita, para agarrá-las com as mãos.
Nessa época, pescando à noite com Wlamir, primo de minha mulher, que está aí para testemunhar, enchemos um barquinho com tainhas usando o seguinte expediente: à noite, era só ficar ziguezagueando com o barco e as tainhas caiam dentro dele. O segredo estava no barulho do motor do barco, quanto mais se acelerava e desacelerava o motor, mais as tainhas pulavam e caiam dentro do barco. Nessas pescarias noturnas, levei com muita tainha pela cara. Pergunto: onde estão as tainhas? Hoje, as mesmas lagunas são o calcanhar de Aquiles da Barra da Tijuca...
Mas como mudou!
Em 1980, começaram a construção do BarraShopping. Mesmo com as 156 lojas iniciais, quando foi inaugurado em 1981, já detinha o título de maior Shopping Center da América Latina. Hoje, depois de várias expansões, com mais de 800 lojas, o BarraShopping mantém o honroso título, pelo número de lojas que tem. Sem dúvida, o Carrefour e o BarraShopping deram início e alavancaram o progresso que atualmente vemos na Barra da Tijuca.
Naquela época, mesmo com as vias estreitas e em regime de mão dupla, só havia engarrafamentos no trânsito nos domingos e feriados, mesmo assim no verão e no horário de pico da praia.
Chegávamos ao Leblon, a qualquer hora do dia, no máximo, em quinze minutos de automóvel e, é bom lembrar que a atual Avenida das Américas, chamada então pomposamente de "Estrada Rio-Santos", não passava de uma estreita estrada vicinal, em regime de mão dupla, que nos levava, precária e tão-somente, até ao bairro de Santa Cruz.
Foi essa a bucólica Barra da Tijuca que os pioneiros de Nova Ipanema encontraram e a transformaram no que se vê hoje.
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