Todas as profissões são importantes, mas há países, entre eles o Japão, onde se dá mais importância aos professores, porque formam as futuras gerações, e aos engenheiros, que em muito ajudam na geração de empregos. No Brasil, ao contrário, o prestígio dessas profissões anda meio por baixo, o que é uma pena. Para eles e para nós...
Decerto, que tive muitos professores fantásticos, mas vou citar aqui os que mais me marcaram.
A estratégia do primeiro mestre
O primeiro foi o meu pai, mas como eu era muito teimoso não quis aprender muito com ele. Juventude e suas manifestações são doenças que só o tempo cura. Mas ainda deu tempo de aprender alguma coisa com meu pai, fosse até por osmose.
Mesmo que você não tenha pai professor, ele sempre terá o que lhe ensinar e com uma grande vantagem: não haverá de lhe sonegar o pulo do gato.
Meu pai estudou numa escola, nela lecionou e foi o seu diretor. Era do tempo em que ser dono da escola não dava para ficar milionário.
Como em todas as épocas, havia inadimplência no pagamento das mensalidades escolares. Só que meu pai recebia sempre tudo que lhe deviam, mas do jeito dele. Por exemplo, um carpinteiro, pai inadimplente, pagava as mensalidades atrasadas consertando os móveis da escola...
O nome do estabelecimento de ensino era ‘Ginásio Todos os Santos’, nos arredores do Méier, Zona Norte do Rio de Janeiro, à época, o Distrito Federal. A escola encerrou suas atividades no início da década de 50, quando meu pai preferiu abrir um escritório de advocacia e passou a advogar para os pais dos alunos.
Os colégios, como o do meu pai, naquela época, tinham uma particularidade: os alunos não faziam provas finais na própria escola, mas sim no tradicional Colégio Pedro II, que também dava o diploma de conclusão aos alunos. O grande orgulho do meu pai era que todos os seus alunos passavam logo no primeiro exame.
José Lopes dos Santos Filho, nome inteiro do meu pai, era professor de Português, Francês e Latim, mas cobria a falta eventual de qualquer professor, fosse qual fosse a matéria.
O que me impressionava era a estratégia de ele ensinar. Em todas as segundas-feiras, ele pendurava no lustre da sala de aula uma cédula que hoje poderia equivaler a uns cinquenta reais. A nota ficava lá a semana toda pendurada, olhando para a cobiça dos alunos. Aos sábados, tinha a sabatina, o que hoje nem se ouve mais falar...
A turma de cerca de 40 alunos, aleatória e semanalmente, era dividida em quatro grupos, que disputavam aquela nota. O grupo que vencesse a ferrenha sabatina, obrigatoriamente, ia à cantina do colégio no recreio de sábado gastar aquele dinheiro, comendo um sanduíche de presunto e tomando um refrigerante. Meu pai era também o dono da cantina, o que lhe minimizava o valor da liberalidade.
Apenas depois de burro velho é que concluí que meu pai, malgrado ter sempre lutado com as dificuldades da vida, era um gênio.
A estratégia do segundo mestre
O segundo mestre que marcou presença na minha vida foi o meu professor de Ciências no Colégio Dois de Dezembro, também no Méier, nos anos 1960, quando eu fazia o antigo curso ginasial, hoje rotulado de curso fundamental.
Falo do professor Clóvis Soisson, que também tinha uma estratégia infalível para ensinar e fazer que os alunos todos aprendessem a matéria. Médico dermatologista, ele gostava muito de lecionar Ciências. Era gordo, baixo e muito simpático. Fazia um sucesso danado com as alunas, por conta da sua extraordinária inteligência e um carisma muito raro de se encontrar. Infelizmente, acabou morrendo atropelado numa das ruas do Méier.
Na primeira aula do mês, ele dava a matéria toda e dizia os capítulos do livro que deveriam ser estudados. Nas aulas seguintes, havia uma espécie de prova oral, ocasião em que cada aluno ia à frente da turma responder as questões que lhe eram formuladas. Os outros alunos ficavam sentados estudando e só paravam de ler o livro de Ciências para ouvir as respostas dos colegas que estavam sendo arguidos.
A princípio, apresentavam-se os voluntários – os melhores alunos da classe. Quando acabavam os voluntários, o professor Soisson descia o dedo pela lista de presença e sorteava um azarado. Os primeiros sorteados, quase sempre, eram os que tiravam nota baixa e, na medida em que as arguições iam se desenvolvendo, as notas dos últimos já ficavam excelentes – pudera, já tinham ouvido a “ladainha" umas vinte vezes...
No final, o toque do mestre. O professor Soisson chamava aqueles que tinham tirado nota baixa para uma segunda ronda de perguntas. Desta vez, é lógico, todos ganhavam 10. Vamos supor que um aluno tivesse tirado uma nota quatro da primeira vez, ele somava aquele quatro com o invariável 10 da segunda chamada, dividia por dois, e se chegava a uma honrosa nota sete. No final do ano, todos sabiam Ciências e passavam com excelentes notas.
A estratégia do terceiro mestre
O terceiro super mestre foi o meu professor de DIP – Direito Internacional Privado –, em 1970, na tradicional Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil. Em 1975, lá estava eu de novo fazendo doutorado e mestrado na área de Direito Privado e, mais uma vez, ele foi meu professor de DIP.
Falo do saudoso mestre Haroldo Valladão, excelente professor que tinha como estratégia para incentivar os alunos a sua fama de impedir que os relapsos colassem grau. DIP era uma das matérias do quinto e último ano do curso de Direito. Na nossa turma, havia uns três ou quatro alunos repetentes de turmas anteriores, que não tinham se formado pelo fato de o mestre Valladão os ter reprovados. Imagine não se formar, por não ter passado numa matéria do último ano...
O esquema era simples. Ele ministrava belíssimas aulas, lastreadas com piadas de fino humor e no seu livro ‘Material de Classe de Direito Internacional Privado’. Nessa obra, ele colocou compilações de normas de direito brasileiro e partes dos principais diplomas legais de países estrangeiros, assim como convenções internacionais, para serem utilizados durante o aprendizado da disciplina.
Dizia que não tinha o menor constrangimento de impedir a formatura daqueles que não soubessem a matéria. Obviamente, que os alunos estudavam e nem pensavam em faltar às suas aulas. Pouquíssimos alunos ficavam reprovados e todos acabavam sabendo DIP na ponta da língua.
Como é bom lembrar-nos de pessoas competentes, que nos ajudaram ao longo de nossas vidas.
Quis o destino
Hoje, tenho um filho fisioterapeuta – Carlos Eduardo Lopes dos Santos – que lecionou traumato-ortopedia para alunos de Fisioterapia, na Universidade Estácio de Sá. Seu irmão mais velho – João Carlos Lopes dos Santos Filho – formado em Desenho Industrial e depois em Educação-Física, trabalha como professor nesta área.
Espero que meus filhos não copiem as artimanhas dos meus mestres, tampouco as dos deles, mas sim que criem as suas próprias estratégias, objetivando o melhor para os seus alunos e que, por isso e tudo mais que fizerem, possam ser sempre lembrados como grandes mestres.
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