quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Literatura, arte e direitos > A apropriação artística levada às últimas consequências


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São Paulo, quinta-feira, 24 de novembro de 2011Ilustrada
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Copiar e colar
Artista e escritor que fundou o site UbuWeb cria o manifesto da escrita não criativa e garante que a literatura do futuro será feita a partir de novas versões e cópias do que já estava escrito

SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO
Kenneth Goldsmith acha que está fazendo arte quando senta e reescreve palavra por palavra a edição do dia do "The New York Times".

Também anda fascinado com a advogada californiana que publica num blog sentenças de condenações por estupro como se fossem poesia, sem alterar uma única linha.

"Ficou claro que a escrita do futuro tem mais a ver com mudar as coisas de lugar do que com criar novos conteúdos", afirma ele. "Samplear [utilizar trechos de obras já prontas] alguma coisas vale mais do que essa coisa em si."

Goldsmith, artista e escritor americano que fundou o site UbuWeb, acredita tanto nisso que escreveu um livro-manifesto. "Uncreative Writing", ou escrita não criativa, ensina como ser um autor em plena cultura do remix.

"Essas ideias não são novas, mas não tinham chegado à literatura", opina. "É um debate ainda muito rudimentar se pensarmos que nas artes visuais a questão de plágio e deslocamento começou com o urinol de Marcel Duchamp, lá atrás, em 1913."

Das artes plásticas à música, em tempos de difusão ultraveloz na internet, o mundo vem redefinindo a ideia de cópia e plágio, dando muitas vezes peso de original a novas versões do que já existia.

Na literatura, a febre do remix causa as distorções que viraram objeto de estudo de Goldsmith, ele mesmo gastando horas do dia em exercícios tediosos como copiar artigos de jornal para ver onde surgem erros espontâneos, frutos de sua desatenção.
"Tudo o que escrevo é horrível, impossível de ler", reconhece. "Mas não estou interessado em leitura, é só um estopim para discussões."

Ao observar falhas de linguagem, Goldsmith concluiu que a raiz disso já estava na poesia concreta dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos, na literatura transtornada dos beatniks e na justaposição de tudo, possível só na era da internet.
No ubu.com, por exemplo, é possível ver vídeos dos Beatles e peças de Samuel Beckett. "É um espaço utópico, em que tudo conversa", diz. "Reenquadro o que existe para criar algo novo, um colapso dos gêneros artísticos."

Seu próximo passo é reescrever o clássico ensaio do alemão Walter Benjamin sobre as galerias comerciais da Paris do século 19, só que transpondo a ação para as ruas de Nova York no século 20.

Nessa versão, personagens trocam de pele -Baudelaire, por exemplo, vira o polêmico Robert Mapplethorpe.

UNCREATIVE WRITING
AUTOR Kenneth Goldsmith
EDITORA Columbia University
QUANTO R$ 168,80 (260 págs.) 



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Conceito atual de plágio divide especialistas

Para o professor de teoria literária Alcir Pécora, achar que 'copia e cola' refresca métodos de criação é inocente

DJ e produtor conhecido por 'samplings' diz dar crédito a autores, que 'agradecem por divulgação'

CAROL NOGUEIRA
DE SÃO PAULO
O que o ator e diretor Sylvester Stallone, os músicos Rihanna, Beyoncé, Lady Gaga, Coldplay e Lil Wayne, a TV Globo e o estúdio que produziu o filme "Kung Fu Panda" têm em comum?
Todos eles são autores de obras acusadas de plágio. E isso somente no ano de 2011.

Seria o fim da originalidade? Ou será que o processo criativo contemporâneo consiste justamente em citar obras já produzidas, como defende Kenneth Goldsmith no livro "Uncreative Writing"?
Alcir Pécora, professor de teoria literária da Unicamp, é partidário da primeira ideia.

"Vejo que há um esgotamento da produção literária atual. Os grandes modelos de prosa dos romances estão muito esgotados", avalia.

Para ele, o aumento na quantidade de obras que pegam "emprestado" trechos de outras é uma das marcas do século 21. "Nada parece muito fecundo hoje em dia, como era no século 18 ou 19."

"Hoje em dia, tudo é 'ready-made' [conceito criado por Duchamp no século 20 pelo qual objetos cotidianos são transformados em arte]", afirma Pécora. "Ninguém mais parece uma fonte positiva."

O advogado Caio Mariano, especialista em direito autoral, enxerga uma mudança de comportamento na cadeia de produção da nova geração de autores. "Muitos artistas acabam infringindo direitos autorais, achando que podem 'samplear', por exemplo, sem pedir autorização dos titulares. Mas a lei é clara. Citações devem ser nominais", diz.

Um dos principais nomes brasileiros para a cultura do "sampling" e dos "mashups", o DJ e produtor João Brasil discorda de Mariano.

"Nunca tive problema com isso, pois sempre dou crédito ao artista original e nunca vendi os mashups. Vários artistas já me agradeceram pela divulgação", conta o DJ.

A posição de João Brasil está correta, de acordo com o advogado Thiago Mendes Ladeira, também especialista em direito autoral.

Ele afirma que é importante que os artistas defendam sua propriedade intelectual.

"Se as obras não fossem protegidas pela lei de direitos autorais, qual seria o incentivo do autor para criar? E como ele lucraria com isso?", questiona Ladeira.

O advogado atribui o aumento de casos de plágio à internet. "É como o aluno que usa o computador para copiar um trabalho de escola", diz.

Embora a lei nº 9.610/98, que passa atualmente por projeto de atualização, não mencione a internet, Mariano não enxerga isso como um problema. "As regras do mundo off-line são as mesmas que aquelas do mundo on-line", afirma.

"Que há uma crise na produção cultural atual, não há dúvida. Mas achar que esse 'copia e cola' pode funcionar como base para um novo método de criação é muito inocente", opina Pécora. 


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Apropriação feita por Beyoncé é "café pequeno"

ALASTAIR MACAULAY
DO “NEW YORK TIMES”
Será que você tem certeza de quem coreografou todas as versões do "Quebra-Nozes"?

No ano passado, observei que mais de 12 produções americanas incluíam o "pas de deux" da Dança da Fada Açucarada que Lev Ivanov coreografou para a versão original. Mas apenas uma delas deu crédito a Ivanov.

Devemos qualificar isso de plágio? Pergunto porque, em outubro, a coreógrafa Anne Teresa De Keersmaeker observou que Beyoncé e sua diretora, Adria Petty, se apropriaram de sequências de dois trabalhos, "Rosas Danst Rosas" e "Achterland", no videoclipe de "Countdown".

Graças aos closes, as apropriações são inconfundíveis.
Petty disse, aludindo a De Keersmaeker: "O trabalho dela me deixou maravilhada". Ela acrescentou que lamentava o fato de o crédito não ter sido dado, porque o vídeo teria sido editado às pressas.

Petty falou: "Minha esperança era que isso colocasse o trabalho dela (De Keersmaeker) diante de muitas pessoas que, de outro modo, não o teriam conhecido".

A primeira reação de De Keersmaeker foi dizer "isso é plágio, é roubo". Mais tarde, ela admitiu: "Fico feliz que talvez possa chegar a um público de massas, que performances de dança como essas nunca conseguiriam".

Sinto admitir que não consigo me comover com o assunto: os movimentos simples coreografados por De Keersmaeker não possuem nenhuma originalidade especial.

Mas o fato é que a coreografia de De Keersmaeker segue a tradição de muitos coreógrafos pós-modernos, na medida em que não se preocupa em criar movimentos originais, mas recontextualizar movimentos já comuns.

Não nos equivocamos quando consideramos George Balanchine um dos mais originais dos coreógrafos, mas também podemos entender porque ele gostava de enfatizar o outro lado: a montagem, e não a invenção, é a tarefa básica do coreógrafo.
Comparada com os trechos de Ivanov não reconhecidos em muitas produções americanas de "Quebra-Nozes", a questão de Beyoncé e De Keersmaeker é café pequeno.

Vários dos pas de deux da Dança da Fada também incluíam sequências da versão de 1954 de Balanchine.

Hoje ela é vendida como "O 'Quebra-Nozes' de George Balanchine", mas pelo menos duas partes importantes não são dele, que não fez segredo do fato de ter se apropriado de cenas da versão que dançava na juventude, na Rússia.

Mas os agradecimentos tendem a passar por cima desse fato. Pelo menos dois outros balés listados como sendo de Balanchine incluem danças criadas por Marius Petipa.

Essas apropriações, muito maiores do que as cometidas por Beyoncé, acontecem com frequência no balé.

Um coreógrafo famoso que de fato gritou "ladrão!" foi Jules Perrot. Em 1861 ele levou Petiba ao tribunal, acusando-o de "infração de copyright em coreografia".

O tribunal decidiu em favor de Perrot, concordando que a composição de uma dança "podia não obstante constituir uma composição para a qual um copyright podia existir".

Se os advogados de De Keersmaeker tivessem tentado levar Beyoncé ao tribunal, teriam argumentos muito mais fracos. A dança Perrot-Petipa era ininterrupta com música idêntica; já os trechinhos muito curtos apropriados por Beyoncé foram dançados ao som da música dela.

Na realidade, a reputação de De Keersmaeker só foi beneficiada. E a de Beyoncé, será que saiu arranhada? Nada disso. Podemos chamá-la de "apropriadora", mas nem por isso teremos menos vontade de assistir a ela.

Haveria munição legal melhor em todas aquelas produções do "Quebra-Nozes". Mas as razões pelas quais poucas pessoas perdem tempo gritando "plágio, plágio" são evidentes. Essas obras contêm muitas apropriações, mas contêm sinais maiores de montagem.



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